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Os fatos acontecidos no Congresso Nacional referente à mudança da lei orçamentária para dispensar o Executivo de cumprir as metas do superávit primário, mostram a dimensão desagregadora da concentração do poder nas mãos do Estado Federal e, dentro do Governo do Estado Federal, nas mãos do poder Executivo, tornando vazio o conceito de Federação, no primeiro caso, e de independência e harmonia entre os poderes, no segundo. No entanto esses são conceitos inerentes ao Estado de direito acolhido formalmente pela Constituição brasileira, e à sociedade democrática onde imaginamos estar vivendo.

Só imaginamos, porque democracia e concentração são dois conceitos que se excluem mutuamente.

 

Independentemente dos embates entre governo e oposição, normais e elogiáveis quando havidos de forma civilizada, o que não foi o caso nos debates que vimos no Congresso, pode-se constatar a força que chegou às raias da prepotência ou da chantagem do poder Executivo sobre o Legislativo, usando de armas eticamente condenáveis, como as maiorias parlamentares obtidas através de favores concedidos a deputados e senadores, da manutenção de estruturas inchadas para distribuição de Ministérios e de outros cargos públicos, de ameaças de suspensão de serviços devidos à sociedade, envolvendo direitos de pessoas e de instituições como os Estados e Municípios ,enfim toda essa forma espúria que o poder concentrado permite utilizar para conseguir o que é de interesse do Executivo, ainda que ao arrepio da ética, do exercício civilizado do poder e da Lei. Isto não seria possível,se não houvesse tanta concentração.
Os acontecimentos e o desfecho dos referidos fatos no Congresso Nacional servem de bom exemplo desse lamentável episódio: a anistia do crime funcional de desobediência à lei de diretrizes orçamentarias e ao próprio orçamento proposto pelo Executivo e transformado em Lei pelo Legislativo. No entanto o Legislativo passou um pano sobre o crime, tratando-se da Presidente da República e sob a ameaça do Executivo de ser ele, o Legislativo, responsabilizado diante da opinião pública pelas consequências que viriam do crime por ela mesmo cometido. Isto não seria possível, repito, se o Brasil fosse um país política, econômica e estruturalmente desconcentrado.Também não teria acontecido se o crime tivesse sido cometido por um funcionário público comum, embora a Constituição defina que “todos são iguais perante a Lei.
No entanto, esta prepotência do Executivo sobre o Legislativo se torna possível, entre outras razões ,pela extrema concentração de recursos financeiros nas mãos do Executivo Federal. Constitui um bom exemplo dessa concentração a arrecadação centralizada de impostos e tributos pelo Governo Federal para serem depois devolvidos aos Estados e Municípios. Todos sabem como esse sistema permite a fácil transformação desses recursos em instrumento de chantagem, ou moeda de troca sobre os entes federados, quando há pouca preocupação com a ética e a lei, como acintosamente está acontecendo.
Enfim, antes de prosseguir, registro, também, a concentração de poder dentro da própria esfera federal.
Refiro-me especialmente á interferência do Executivo sobre o Judiciário, não apenas por causa das demandas processuais de última instância estarem concentradas nos tribunais federais, mas sobretudo pelo sistema de nomeação pelo Executivo de magistrados, de modo especial dos que integram o Supremo Tribunal Federal. Ora, para que houvesse maior concentração as funções do Supremo deveriam restringir-se apenas a questões constitucionais enquanto as funções do Superior Tribunal de Justiça deveriam ser estadualizadas, se o País fosse uma Federação como se imagina que é.
No entanto, essa concentração da Justiça na esfera federal à qual se soma o sistema espúrio da escolha e nomeação dos membros do judiciário pelo Executivo, torna o judiciário dependente, e às vezes subserviente, a quem nomeia seus membros, além de dificultar a participação das pessoas e da sociedade em seus processos.
Nos debates sobre a Reforma política, essas são questões de suma importância a serem colocadas, pois é da essência da democracia a independência e a harmonia entre os poderes, ou seja, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Este é um princípio universal que está acolhido pela Constituição brasileira, mas que não é praticado.
Como pode haver essa independência e essa harmonia entre os poderes, enquanto permanecerem tantas formas de intervenção do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário?
Não acredito na reforma política, tão invocada sobretudo nos momentos de crise, e prometida até como um plebiscito através do qual o povo se manifestasse, sem preocupação de esclarecer o povo sobre quais conteúdos ou qual a dimensão e abrangência que a reforma deve ter.
Estou seguro que, no sentido que chamarei de sentido horizontal, a reforma política, mantido o sistema presidencialista de Governo, deverá criar instrumentos que impeçam a ingerência do Executivo no Legislativo e no Judiciário. Neste sentido, trata-se de desconcentrar a estrutura do poder, ou do Executivo Federal, de modo que seja cumprido o princípio universal e o preceito constitucional de independência e harmonia entre os poderes, evitando a ditadura do Executivo sobre os outros poderes, um dos mais graves fatores da ineficiência e da corrupção governamental.
No sentido vertical, a reforma política deve tornar efetiva a Federação, a não ser que se opte pela continuidade do país imperial que nos remete a dois séculos atrás questão já comentada em vídeo anterior. Para isto é necessária uma redistribuição das competências atribuídas ao Governo federal e as que, por sua natureza, devem permanecer nas esferas estadual e municipal, dentro do princípio de que o que pode ser operado por instâncias inferiores não deve ser atribuído às instâncias superiores, porque só trazendo os serviços para perto das pessoas e das comunidades se tornam possíveis a participação e a solidariedade.
Quero ainda dizer que a redistribuição de funções, implica uma reforma fiscal na qual a competência de fixar impostos e .sobretudo de recolhê-los, ao contrário do que acontece hoje, retorne às esferas estaduais e municipais, dando-lhes maior autonomia ,restando ao Governo Federal o estabelecimento e a arrecadação apenas dos tributos necessários à execução das funções que lhe tenham sido atribuídas pela reforma política.
No entanto,além do Executivo,a reforma política deve, igualmente, atingir o Legislativo e o judiciário.
No Legislativo o Senado deve transformar-se de fato, no que o legitima : o ser a instância de representação dos Estados face à União. Neste sentido deveria caber ao Senado, entre outras funções representativas dos interesses estaduais, as decisões referentes à distribuição de recursos, tanto de sua fixação como de sua arrecadação e de seu uso. É na condição de representante dos Estados que constituem e legitimam a União-ou seja a Federação, que cabe ao Senado falar em nome deles, dos Estados, enquanto cabe à Câmara dos Deputados a representação do povo.
Infelizmente o Senado não tem exercido esse papel, por desconhecê-lo, ou pela falta de clareza e objetividade dos princípios constitucionais, ou de outras normas e procedimentos que devem ser modificados pela reforma política .Na falta de ter claro seu papel e suas funções, o Senado tem se transformado em simples instância revisora da Câmara, frequentemente duplicando as mesmas tarefas, donde se justificam os que defendem sua extinção. Na verdade isto apenas sinaliza que o Brasil não consegue ser uma Federação.
No Judiciário, além de restringir as competências dos tribunais federais a questões da esfera nacional, ou federal,é essencial que a reforma política modifique a sistemática de nomeação de seus membros pelo Executivo, única forma de ,efetivamente, garantir sua autonomia.
Essas são questões essenciais para que aconteça uma efetiva reforma política capaz de mudar o País. Sem elas a proclamada Reforma política não será mais que uma reforma partidária ou eleitoral, incapaz de eliminar as atuais distorções e fazer do País um novo Brasil.
Enfim, a reforma política implica PROMOVER UMA PROFUNDA REFORMA CONSTITUCIONAL. Sem a reforma constitucional, e reduzida a Reforma política a uma reforma partidária, como número de partidos, troca de partidos, partidos regionais ou nacionais, ou a uma reforma eleitoral,como financiamento público de campanhas, voto proporcional ou voto distrital, horário gratuito de Tv, utilização de redes sociais, etc., estaremos mais uma vez atrelados ao perfeito figurino atribuído à frase de Tomazo de Lampaduza: mudar para que tudo permaneça como está,
Termino referindo-me à concepção do que deveria presidir a organização política do Brasil , proposta contida no livreto que escrevi quando do debate constitucional que precedeu a elaboração da Constituição de 1988.Propuz naquela ocasião, que a Constituição deixasse explícito que a organização do País refletisse o que tanto se diz, mas não se faz: um país construído de baixo para cima, das pessoas e das comunidades para os poderes estaduais ou federal,um país participativo, porque são as pessoas o princípio e o fim de toda organização social. Diz a proposta:
“O Brasil se define como uma República constituída de comunidades politicamente organizadas em Municípios e da União de Estados, que constituem a Federação. Na condição de República (res publica-coisa pública em latim) a Nação politicamente organizada, não pertence a ninguém,(individualmente),mas à sociedade.
Os governantes são apenas delegados dos cidadãos para exercer o poder em seu nome, com vistas á promoção do bem comum. Assim o poder deverá ser distribuído no organismo social de modo que se evite o domínio de alguns sobre as estruturas sociais, assenhoreando-se, de qualquer forma, da Nação.
O poder nacional se estrutura a partir do Município para os Estados, reservando-se à União Federal, exclusivamente, as funções que não possam ser realizadas pelos Estados e Municípios.”
Esses são princípios e medidas, meus amigos, queridas amigas, que deveriam presidir a reforma política, para que o Brasil possa efetivamente mudar e não ser mais uma vez enganado na ilusão de mudanças, que prometidas sempre, não acontecem nunca. Este seria, sim, o Brasil diferente que todos sonhamos.

 

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