1-      Do Sistema Catarinense Ensino Superior e de suas unidades

Com certo orgulho e muita satisfação, por terem reconhecida pelo Ministério da Educação sua qualidade e sua competência universitária, a comunidade interna e externa da Unisul, festejou o recredenciamento de sua instituição como Universidade do Sul de Sta. Catarina.

A nota máxima desse reconhecimento, lhe foi conferida após severa avaliação de sua infraestrutura, de sua organização funcional, administrativa e docente, bem como dos resultados de seu desempenho no campo do ensino da pesquisa e da extensão, funções que a caracterizaram, como conceito e prática, desde sua origem, e que foram atribuídas às universidades como preceito constitucional, a partir da Constituição de 1988.

Semelhante satisfação foi sentida no Estado, não apenas ao ter conhecimento que outra universidade- a de Chapecó, obteve o mesmo reconhecimento, mas sobretudo porque esse reconhecimento amplia a consciência da qualidade e da competência do Estado de Sta. Catarina ao ter criado e ao manter, com a garra de seu povo, um Sistema próprio  de Ensino Superior de características únicas  no Brasil

A eficácia do Sistema Catarinense e Ensino Superior está comprovada não apenas pela  centena de milhares  de catarinenses  que por ele passaram em seus 50 anos de funcionamento, mas também por sua contribuição ao processo de desenvolvimento desconcentrado do Estado e,  em consequência, pelo alto nível de desenvolvimento alcançado pelo Estado e pela  sociedade  catarinense nesse mesmo período.

Esse Sistema é composto, hoje, por 11 Universidades regionais, uma em cada Região do Estado, e 5 Centros Universitários Todas essa unidades do Sistema são de natureza pública não estatal, criadas pelos respectivos municípios, sob o regime de Fundações de natureza jurídica de direito privado

Esse Sistema desconcentrado constitui um dos fatores fundamentais que explicam o salto de desenvolvimento harmônico ocorrido no Estado de Sta. Catarina nos últimos 50 anos, repito, permitindo nesse período o acesso à universidade de cerca de um milhão de catarinenses. Essa forma desconcentrada, permite registrar que mais de 50% desses catarinenses portadores de Educação Superior, seguramente, a ela não teriam tido acesso, não fosse esse Sistema.

Graças a ele, Sta. Catarina situa-se entre os Estados Brasileiros que possuem o maior número de matrículas de ensino superior em relação à população , enquanto que, concentrando apenas 3,2% da população do País, o que a situa em o 11º lugar e ocupando apenas 1,2 % de seu território, ocupando, portanto, o 20º lugar, ocupa o¨6ª lugar na economia entre os  Estados brasileiros  e o 3º lugar em qualidade de vida, medida pelo IDH.

Têm razão, pois, os catarinenses em considerar seu Sistema  de Ensino Superior e cada uma das unidades que o compõem, quer sob a perspectiva jurídica, quer sob  seu significado político, econômico e social ,um de seus patrimônios mais valioso. Essa consideração merece especial consciência dos catarinenses face à medidas prejudiciais ,ao Sistema ou a cada uma de suas unidades , como tem ocorrido recentemente através das sucessivas  intervenções do Governo Federal, por razões diversas, sem nenhuma dúvida, também por falta de conhecimento da dimensão, do significado e da excelência desse Sistema  , para Santa Catarina e para sua população.

Tendo participado ativamente da concepção, da criação e do desenvolvimento do Sistema  Catarinense de Ensino Superior  ,inclusive da articulação de suas unidades através d a ACAFE ,instituição  que o tem coordenado nesses quase  50 anos e de cuja criação participei, tendo sido responsável por implantá-la e tê-la presidido  em seu primeiro mandato;

tendo, ainda, nesta condição, contribuído na implantação de várias de suas unidades, e com a responsabilidade, e a satisfação, de ter implantado a Universidade do Sul de Sta. Catarina  UNISUL, que igualmente dirigi durante seus 13 anos iniciais, plantando as sementes do que  hoje ela é , e do que representa;

por todas essas razões, considero de meu dever oferecer uma reflexão e dar meu testemunho para conhecimento e para despertar da consciência de todos, que esse reconhecimento que festejado, como a existência de um exemplar Sistema de  Ensino Superior, não foi fruto do acaso, nem foi um resultado caído do céu, nem muito menos, uma benesse do Governo federal que tem distribuído generosamente  suas universidades em alguns outros Estados.

Faço-o também porque é pública e notória a situação de dificuldades de ordem financeira  por que passam o Sistema e várias de suas instituições, situação que alguns, equivocamente, consideram pré-falimentar.

Digo equivocamente por causa da capacidade e da competência demonstrada pela Instituições e pelo Sistema de superar situações e dificuldades, que não foram poucas, nesses 50 anos de serviços prestados  à comunidade catarinense, essa  parcela da sociedade brasileira .

Também porque tenho segurança em dizer que a sociedade catarinense e, de modo especial os que estão investidos em funções de responsabilidade, ou pretendem ser investidos nas eleições que ocorrerão ainda este ano, não  haverão  de permitir que tal tragédia social se consumasse.

Sem o objetivo de atribuir à este ou àquele essas dificuldades, não há como não denunciar a diversidade de fatores que as provocaram. Nessa tarefa, por tê-la concebido, implantado e acompanhado em toda sua história, tomo como referência o caso específico  da  Universidade do Sul de Sta. Catarina- UNISUL. Ele é representativo do que vem ocorrendo com outras universidades do Sistema.

       2 – Em relação à natureza das  universidades do Sistema Catarinense de Ensino Superior

Inicialmente devo referir-me à dificuldade do Governo federal, do MEC e de outras  instâncias, para entender o conceito presente desde seu início,  de que o Sistema Catarinense de Ensino Superior é composto por instituições públicas ,não estatais ,mas públicas porque pertencentes à  sociedade e não ao Estado ( porque nos regimes democráticos o Estado não é o único representante da sociedade o que só ocorre nos Estados  totalitários)  ,públicas ,repito, e  regidas pelas normas do direito privado, mas não particulares porque como Fundações que são, não pertencem a seu instituidor, seja o Estado sejam entes particulares  que  as instituem e porque é uma situação prevista no próprio Código Civil Brasileiro .

O significado da UNISUL , como instituição da sociedade, torna-se evidente ao se considerar que em seus 50 anos constituiu, um patrimônio da ordem de Cr$ 500 milhões, o que significa um patrimônio igual ou talvez maior que o do Município de Tubarão e seguramente muito maior do que seria ,hoje, a soma do patrimônio particular dos que dedicaram integralmente suas vidas à seu desenvolvimento e ao cumprimento de enorme ação social.

Esse patrimônio poderia ser deles, dos que a criaram ou a construíram se tivesse sido criada como uma sociedade civil ou até uma empresa, ou poderia pertencer à prefeitura de Tubarão, se tivesse sido criada como uma autarquia. Esta renuncia em favor da sociedade se replica em todas as universidades do Sistema Catarinense de Ensino Superior.

Não entendendo essa natureza essencialmente pública, da sociedade,,ou comunitária que caracteriza essas universidades na esfera federal durante longos anos não tem sido entendido  e o Governo, em consequência, as tem considerado ora como estatais, ora como como particulares, de acordo com suas circunstâncias, ou seus interesses. Só recentemente 50 anos passados de sua história, percebendo o equívoco, ou cedendo à crescente pressão, foi afinal aprovada legislação própria criando a figura jurídica das Universidades comunitárias.

No entanto, por falta de um entendimento adequado das consequências práticas dessa legislação, ou por falta de uma explicitação melhor, na lei ou em eventual legislação complementar sobre suas consequências, essa medida, embora louvável, não sanou os equívocos e nem se constituiu numa fórmula eficaz para dar um rumo alternativo à política universitária brasileira.

        3 – Em relação aos benefícios da filantropia

Tornando ao caso UNISUL, cabe registrar que desde os primeiros anos de sua existência, quando ainda Fundação Educacional do Sul de Sta. Catarina (Fessc), ela foi reconhecida como Instituição filantrópica, característica que durante mais de 40 anos, nunca contestada.

No entanto, após 40 anos, ou alguns anos antes de ser reconhecida como instituição comunitária, teve cassado seu registro de instituição filantrópica ,sem qualquer análise de sua natureza, da dimensão de sua obra  filantrópica, ou do direito que lhe foi reconhecido pelo mesmo governo durante todo esse tempo, sem nenhum favor face à obra realizada.

Esse simples ato da burocracia federal significou um acréscimo das despesas orçamentárias da UNISUL da ordem de 10%, sem que houvesse equivalente ingresso de receita. Este foi um dos atos do Governo federal na origem das dificuldades financeiras da instituição. Outros mais graves viriam.

Em seguida:

  • mesmo considerada sua natureza reconhecida como comunitária;
  • ou considerada sua imensa ação filantrópica praticada anualmente e comprovada em seus orçamentos sociais : só o último orçamento registra mais de 1 milhão de atos ,que ,além dos benefícios à comunidade reforçam nos alunos e professores sua responsabilidade social;
  • ou também suas portas abertas a mais de uma centena de milhares de jovens à educação superior;
  • ou enfim, sem considerar que todo seu serviço prestado não resultou em lucro, individualmente, a ninguém, mas apenas  em recursos para o desenvolvimento da própria Instituição e melhoria de seus serviços à comunidade;
  • apesar disto tudo, nada fez o Governo para que a natureza filantrópica da Instituição fosse reconhecida e, em consequência, devolvida.

Paradoxalmente os benefícios da filantropia, ao invés de serem atribuídos a quem é, por natureza, instituição filantrópica e se dedica exclusivamente ao trabalho comunitário, ou filantrópico, esses benefícios, tem sido concedidos inclusive a quem não tem natureza filantrópica e, ao contrário, dedica-se por sua natureza a atividades altamente lucrativas  e praticando, apenas marginalmente, atos filantrópicos, o que às vezes são utilizados até para contrabalançar ou fortalecer o crime.

         4 – Em relação à gratuidade ou ao custo dos serviços universitários.

Uma terceira questão refere-se à oferta gratuita dos serviços universitários, como o faz o Estado. Na verdade, o Estado utiliza recursos da sociedade, através dos impostos para uma minoria e nem sempre a minoria mais necessitada, o que torna  relativa essa gratuidade. Em contraposição as universidades, ainda que comunitárias ou filantrópicas, têm que gerar os recursos necessários à prestação de seus serviços.

Como se verá, e isto é um dado de suma importância na análise da questão ,ao menos no que se refere às universidades do Sistema Catarinense, seus custos estão muito aquém dos custos nas universidades federais, ditas gratuitas

Levantando dados oficiais referentes às 10 principais universidades federais brasileiras, chega-se ao resultado de que o custo médio anual do aluno nessas universidades é de 45 mil reais, variando seus extremos   entre   29 mil e 82 mil reais, dentro do mesmo Sistema.

Na UNISIUL, como nas universidades pertencentes ao Sistema Catarinense, esse custo gira em torno de 10 mil reais, o que significa um  custo 4( quatro) vezes menor que nas universidades do próprio governo. Onde a gratuidade?

Sei que é comum a ideia de que as universidades federais mantém serviços extraordinários, como hospitais universitários e desempenha outras atividades de caráter social, elabora pesquisas ,etc. É fato inegável  que entre as universidades federais há as que são efetivamente centros de excelência.

Mas seria altamente discriminatório, preconceituoso, ou puro desconhecimento, afirmar que as universidades comunitárias não desempenham trabalho equivalente, seguramente , em cada caso ,de forma igual, superior ou inferior, que as universidades federais

A UNISUL mantém dois cursos de medicina, com assistência hospitalar de alto nível, avaliados pelo próprio MEC como de alta qualidade e é também uma universidade conhecida nacional e internacionalmente pelo significativo trabalho de pesquisa e extensão universitária que desenvolve, a cuja dimensão já me referi anteriormente..

Mas os equívocos da política federal ,com resultados perniciosos ao Sistema Catarinense e em relação às suas  instituições, que levou 40 anos para reconhecer como  comunitárias , não param por aí.

 5 – Dos limites das competências federais definidas na Constituição e da forma como interfere nas competências constitucionais do Estado.

A verdade é que o Governo federal, e não apenas o MEC, exorbita de suas funções constitucionais, num verdadeiro desrespeito ao Sistema federativo, de um lado, e à autonomia universitária, de outro.

Vejamos os textos constitucionais, embora existam os que, em desconhecimento ou em desrespeito à Constituição, prefiram reger-se apenas por leis, decretos, portarias, resoluções ou simples pareceres, ignorando o que a Constituição determina,e o faz de forma clara, transparente.

Essa exorbitância se refere às suas próprias  competências, e à forma como elas são exercidas sobre as competências dos Estados membros da Federação e à autonomia das universidades, no pressuposto falso de que exista entre esses níveis uma relação hierárquica e não um relação complementar e cooperativa, nos termos da Constituição.

Sobre as competências federais no campo da Educação Superior, nos termos da Constituição:

Art.211A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, organizarão em regime de colaboração, seus Sistemas de Ensino.

Parágrafo 1º- A União organizará o sistema federal de ensino e o dos territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante  assistência técnica e financeira aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios.

Do Artigo 211 e de seu Parágrafo fica evidente o direito dos Estados de organizar seus Sistemas de ensino, em regime de colaboração, por pressuposto, dentro do princípio da sua autonomia que lhe é garantida no Art.18 da Constituição:

Art.18- A organização político- administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição.

Ora, torna-se meridianamente claro que se a Constituição atribui aos Estados a competência, e portanto o direito de constituir seus Sistemas de Ensino , lhes atribui igualmente autonomia “nos termos desta Constituição”.

É importante perceber que ao dar-lhe  autonomia, a Constituição não a dá nos termos da lei, como geralmente se expressa quando julga insuficiente a clareza dos termos constitucionais. Muito menos   a daria, em consequência, nos termos dos Decretos, das Portarias, das Resoluções ,ou dos Pareceres, instrumentos tão propensos em desconhecer os princípios federativos estabelecidos pela mesma Constituição. A autonomia lhes é conferida “nos termos desta Constituição“, repito.

Em decorrência dessa autonomia, torna-se meridianamente claro, como foi dito, que fere os princípios Constitucionais o intervencionismo do MEC , ou do Governo federal ,seja qual for a alegação ou o instrumento que utilize , quando intervém no Sistema   Estadual de Ensino.

De outro lado, a Constituição é explícita ao definir que pertencem ao Sistema federal as Universidades mantidas pelo Governo Federal ,mas nenhum dispositivo constitucional existe que o autorize a promover a migração para seu Sistema de instituições que por ele não sejam mantidas ou que tenham sido acolhidas e organizadas em Sistema Estadual , por definição do Estado de acordo com as competência constitucionais a ele atribuídas, ou seja, sua autonomia como unidade federativa e, especificamente, sua autonomia na organização de seu Sistema de Ensino ,considerando, evidentemente  a natureza das próprias Instituições.

( À margem, fica registrado não pertencerem aos Sistemas estaduais, e não serem objeto de definição constitucional, as universidades particulares ,as quais, no silêncio da Constituição foram integradas no Sistema federal por instrumento infra- constitucional.)

Além da competência do Estado, no exercício de sua autonomia, de organizar seu Sistema de Ensino, se faz necessário considerar também a autonomia constitucional dos Municípios e das  próprias universidades, de acordo com sua natureza  expressa em seu Estatuto, Ora os Estatutos constitutivos da UNISUL, como das demais universidades do Sistema , evidentemente, não as define como universidades federais ou particulares, únicas hipóteses que as fariam parte do Sistema de Ensino   federal.

Enquanto Instituições criadas pelos poder público municipal, como instituições públicas de direito privado, e por isto pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino , elas  foram  afinal reconhecidas como universidades  comunitárias. Pelo que são e pelo que representam, elas constituem verdadeiro Patrimônio do Estado, parte de sua organização interna e da estratégia de seu desenvolvimento.

Torna-se evidente que é inconstitucional exigir sua migração para o Sistema federal em razão de uma disputa referente a eventuais dívidas financeiras , migração que constitui um agravo gritante do Governo federal nas autonomias dos Municípios,  do Estado e de seu Sistema de Ensino , uma violência clamorosa contra a natureza e a autonomia das universidades e uma gritante interferência na estratégia e nos objetivos do projeto de desenvolvimento do Estado,

Esse agravo poderia oferecer, senão uma justificativa, ao menos uma alegação para essa migração forçada, se  o Governo Federal, ou mais especificamente o MEC, oferecesse ao Sistema  Estadual, ou às universidades, apoio técnico e financeiro nos termos do parágrafo primeiro do Art.211.Mas nunca o fez.

 Ao contrário. Quando lhes cassou apoios, como a filantropia e outros benefícios, e, como veremos, quando utilizando-se das dificuldades financeiras das universidades , obrigou algumas delas ( através de  um acordo que raia  o que se poderia denunciar como  chantagem, ou, no mínimo ,como  acordo leonino) a migrar para o Sistema federal, passou por sobre a autonomia do Estado e das universidades como foi dito ,e ignorou especialmente o  Conselho de Educação  a quem  cabe a competência de organizar e supervisionar o Sistema .

De diversas formas o Conselho Estadual de Educação tem denunciados essa interferência e afirmado sua autonomia e sua competência em relação ao Sistema Estadual de Ensino, inclusive  em sucessivos pareceres que denunciam a interferência federal. Entre eles vale citar os pareceres CEE/SC 074, CEE/SC 057 e CEE/SC 003.

No entanto o Governo Federal, ou seus burocratas, praticando a doutrina imperial que ainda sobrevive no Brasil, olimpicamente ignora a República Federativa que somos, imaginando a existência da uma hierarquia entre os níveis da organização nacional, e não sua União federativa, formada por entes autônomos, cujos níveis de competência são estabelecidos na Constituição a que todos  devem obediência igual, inclusive a lei, o que elimina qualquer ideia de hierarquia.

       6 – Do desrespeito à autonomia universitária e de seu reflexo financeiro e administrativo

No entanto, essa violência federal contra a autonomia do Estado, e de seu   o Sistema de Ensino, tem sido implacável, de modo especial ao atingir a autonomia administrativa, financeira e  didática das Universidades, termos com que  a Constituição lhes confere autonomia :

 Art.207 – As universidades gozam de  autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial…

Vê-se como a Constituição ao falar da autonomia das universidades não fala em autonomia de modo geral, mas a qualifica: autonomia didático- científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

Para que se confirme sobejamente essa violência, vou me referir, de um modo especial, a três intervenções federais através do MEC, que tiveram reflexo direto na administração das universidades, em seu método didático -científico e em sua sustentabilidade financeira e patrimonial, passando por sobre sua autonomia .

6.1- Intervenção na autonomia administrativa.

É tradição no Brasil, na área da educação não estatal, especificamente  me refiro às  universidades administrativamente autônomas nos termos do texto constitucional, que o governo, mais que incentivo e  apoio técnico e financeiro (como previsto no Art.211 da Constituição) , se preocupe em exercer controles sobre o preço de seus serviços expressos em anuidades pagas pelos alunos, ainda que esses preços sejam em torno de 4  vezes menores do que o custo de suas próprias instituições :

  • custo médio de 41 mil reais nas Universidades federais, contra um custo de 10 mil reais, na UNISUL valor dado como representativo do custo médio anual/aluno das universidades comunitárias, como foi visto no item 4.

Da parte do Governo, com essa política de controle de preços (que exerce só sobre as universidades alheias, não sobre as próprias )  ele imagina colher frutos  fazendo mesuras com o chapéu alheio ,para usar o refrão popular. Da parte das universidades isto   se constitui numa

desrespeitosa  e funesta intervenção em sua autonomia administrativa, com sérios reflexos em sua autonomia financeira e patrimonial.

Tal controle acontece mesmo em momentos críticos, ( sei que há a possibilidade de apresentar justificativas….),como no caso da UNISUL, quando lhe foi imposta a perda dos benefícios da filantropia,  e em outras ocasiões como na pendência judicial com a Receita federal sobre o imposto de renda, de que também se valeu  o MEC, para impor à UNISUL o Acordo leonino que, na verdade, consolidou um grave desequilíbrio financeiro .

Foi valendo-se desse desequilíbrio financeiro que o  MEC impôs à UNISUL e a outras instituições do Sistema  Estadual, o referido Acordo , sem que o problema fosse resolvido, porque além de não lhe ter extraído as causas, apenas lhe impôs a forma alternativa de saldar as litigiosas dívidas através da concessão de bolsas de estudo e outra exigências, inclusive a da migração da universidade para o Sistema Federal .

No caso da UNISUL, a exigência em relação às bolsas foi de concessão de 900 novas bolsas anuais, o que significa, por exemplo, em 4 anos 3.600 bolsas, o que significará 10% dos alunos, ou do orçamento da Instituição. Esse débito deverá ser pago dessa forma até cobrir 90% do total, enquanto que  10% será pago em espécie.

A dimensão do absurdo do Acordo, que ignorou que não faz diferença para a sustentabilidade financeira da Instituição se a dívida deva ser paga em espécie ou em bolsas, se completa com a exigência da migração da Instituição para o Sistema federal, ignorando também que não é esse o critério constitucional que define a que Sistema devem pertencer as universidades.

É totalmente desprovida de significado, ou de verdade, a alegação de que tal intervenção tem por objetivo salvaguardar os interesses dos alunos, ou da sociedade. Ainda que fosse verdadeira essa afirmação, que não é, e os fatos correntes demonstram que o Governo não é a melhor salvaguarda dos interesses da sociedade, mas mesmo admitindo que fosse verdadeira, não há filigrana jurídica capaz de, seriamente, comprovar que a universidade deva, ou possa, ser submetida a tal exigência face ao mandamento constitucional referente a pertença das instituições de  ensino no respectivo Sistema, ou diante das melhores práticas administrativas.

Ao contrário, o desconhecimento ou o desrespeito à ordem jurídica e a demagogia da mesura com o chapéu alheio, não tem justificativa. Graças a esse tipo de ação governamental amparada numa ideologia estatista e centralizadora o Brasil está numa lamentável situação no que se refere a Educação Superior e à situação de suas universidades, o que é comprovado por qualquer ranking referente ao assunto.

O Governo federal é incapaz de perceber que as instituições  comunitárias, com uma responsabilidade social não menor que as suas, não estariam na situação, às vezes pré-falimentar, em que se encontram e, seguramente através delas, com uma visão mais aberta sobre os instrumentos  disponíveis numa sociedade democrática ,a sociedade estaria  bem melhor servida, através da oferta sustentável de serviços em continua evolução..

6.2- Intervenção na autonomia didático-científica: a questão da Educação virtual.

Embora a intervenção do Governo federal na autonomia didático-científica, aconteça em vários segmentos da Universidade e de diversas formas, sua intervenção na metodologia adotada naeducação virtual constitui, talvez, o melhor exemplo de desrespeito ao princípio constitucional de autonomia didático-científica concedida às universidades.

No entanto, a intervenção governamental na metodologia da educação virtual, que o governo confunde ingenuamente com educação à distância, além de ofender o texto constitucional, através da intervenção na autonomia didático-científica da universidade, acaba por repercutir não apenas na efetividade da difusão do conhecimento, científico por pressuposto, mas na sustentabilidade financeira da instituição.

Retorno novamente ao caso  da UNISUL.

A educação à distância   (EAD) surgiu na segunda metade do século passado, tinha por  didática a troca de material didático via correio e, num segundo momento, reforçado através da tecnologia oferecido pelo rádio. Esse método didático chegou a ser enriquecido pela imagem de televisão, a partir da última da década de oitenta, com a massificação dessa nova tecnologia.

A educação virtual superou essa etapa. Ela é fruto da era da computação, da internet, do mundo em rede. Ela não necessita da infraestrutura física, embora possa tê-la subsidiariamente, como suporte.

Assim a UNISUL criou seu Campus Virtual, uma plataforma para gerar programas de ministração de cursos, de graduação, ou de pós-graduação e outras modalidades de capacitação ou difusão do conhecimento.

Teve entre seus clientes corporativos instituições como o Ministério da Defesa, envolvendo especialmente os Ministérios, hoje Diretorias, da Aeronáutica e da Marinha, ainda setores do Judiciário e da Segurança, isto na área pública, mas também empresas, especialmente nos setores cooperativos ,além de um número crescente de pessoas físicas.

Além de funcionar, como funciona cada vez mais o mundo, através de redes, permitindo assistência individual em qualquer lugar do Estado, do país e do mundo, a Universidade pode apresentar o testemunho de suas instituições parceiras  e das pessoas  formadas na metodologia virtual, do mais alto nível dessa forma de educação, do material informatizado e gráfico e do monitoramento oferecido através de seu  espaço virtual.

No entanto, o MEC, dando um passo atrás, passou a exigir a instalação de polos físicos para acolhimento presencial dos alunos, o que além de jogar sobre a instituição custos insuportáveis para instalação e manutenção de tais polos- a UNISUL teve que instalar cerca de 70 polos no Brasil e alguns no exterior- o que elevou significativamente, sem qualquer contrapartida, os custos de seus serviços e anulou grande parte das  vantagens oferecidos pela virtualização que colocaria a Universidade  em sintonia com o mundo moderno.

Apesar do prejuízo ,contabilizado em números em termos de investimento e operação dessa metodologia imposta pelo MEC,( que chegou ao cúmulo de cogitar a limitação da educação virtual aos  limites territoriais de cada  estado ), cujo conceito de  educação virtual continua confundido com educação à distância, causou também a diminuição  da clientela, que vinha crescendo ano a ano ,apesar dos melhores resultados acadêmicos que vinham sendo obtidos, e apesar dos custos acessíveis  na metodologia didática anterior desenvolvida e utilizada pela UNISUL.

Essa interferência do MEC nessa metodologia, além da perda significativa na competência da universidade na difusão do conhecimento científico, foi outro fator que resultou em graves prejuízos financeiros , no caso da UNISUL ,mas sem dúvida em outras universidades, que, como ela, estavam  avançadas em seu esforço de sintonizar-se com o mundo virtualizado e globalizado.

Na verdade, essa foi mais uma intervenção do MEC que revela o desrespeito do Governo federal à autonomia universitária, impondo uma didática própria ao arrepio da autonomia didático científica, repito mais uma vez, garantida às universidades pela Constituição.

6.3 – A insustentabilidade financeira, agravada pelo acordo leonino imposto pelo MEC.

Esse conjunto de fatores, foram de molde a gravar a situação financeira da Universidade, e mais uma vez tomo a UNISUL por referência, embora a questão se tenha replicado de forma análoga a todas as universidades do Sistema Catarinense de Ensino Superior. A bem da verdade  deve-se registrar que essas universidades sempre atuaram nos limites de sua  sustentabilidade financeira pelo próprio esforço das instituições em oferecer à sociedade os melhores serviços aos menores custos, de acordo com sua natureza comunitária.

O MEC, no entanto, respondeu a esse esforço, impondo os encargos referidos nos itens anteriores, impondo um Acordo, como foi dito, leonino, que beira a verdadeira chantagem

Sob o aspecto financeiro o Acordo, veio a significar para as Instituições uma gravíssima armadilha, pois a oferta de bolsas determinou, como era de se prever, uma diminuição em seu orçamento em valor equivalente aos recursos perdidos, não arrecadados, para sustentar a concessão das bolsas. No caso da UNISUL, as 900 bolsas, somando as novas anualmente concedidas, com a bolsas também renovadas anualmente, já representa um encargo altamente oneroso, mas  chegará com o decorrer dos anos, a níveis totalmente insustentáveis.

Considerando-se, pois, o prejuízo da ordem de 10% causado pela perda  da filantropia;

  • somando-se a perda da receita orçamentária que, em escala crescente deverá ultrapassar ,em pouco tempo, o mesmo percentual de 10% , pela concessão cumulativa de bolsas de estudo,
  • considerados, ainda, os prejuízos incalculáveis causados pela imposição de uma didática, ou de uma metodologia ultrapassada para o programa de Educação Virtual;
  • entende-se melhor porque uma instituição vigorosa que tanto contribuiu para o desenvolvimento da Educação e da comunidade, como a UNISUL, ou como um Sistema de Educação, e suas unidades, que tanto contribuíram e continuam contribuindo para o Desenvolvimento do Estado,
  • entende-se melhor,  como tudo possa ter chegado a uma situação  que poderia ser chamada de pré-falimentar, não fosse ,volto a testemunhar, a competência e a imensa capacidade de renúncia  e de doação dos que integram o Sistema e cada uma de suas unidades.

Mas é preciso considerar, também por uma questão de justiça, que mesmos as coisas humanas, por mais nobres e louváveis  que sejam, têm um limite.

Sob os aspecto jurídico, ou institucional, a migração forçada de instituições pertencentes ao  Sistema  Estadual de Ensino  para o Sistema Federal ,constitui verdadeira chantagem, porquanto, de forma alguma, o pagamento de uma dívida, legítima ou não, pode ser considerada, diante dos princípios constitucionais,  critério de intervenção sobre esse Sistema Estadual.

Esta é a situação, ou o impasse a que foram levadas a UNISUL e, cada uma a seu modo, as Universidades comunitárias pertencentes ao Sistema Catarinense de Ensino Superior, o próprio Sistema criado e desenvolvido pela sociedade catarinense e por ela mantido e, ainda seu órgão  superior, o Conselho Estadual de Educação e o próprio Estado de Santa Catarina no exercício de sua autonomia.

É preciso que esse  impasse seja quebrado e seja obedecido o princípio constitucional contido no Art.11 da Constituição  que dá aos Estados a autonomia para em colaboração, formar seu sistema de Educação, e seu Parágrafo único que atribui à União função…supletiva mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, função esta que o Governo prima por não praticar.

7– Um caminho de solução e um apelo essencial.

Estou certo que a situação a que se chegou é uma situação de extrema gravidade, pois afeta profundamente um patrimônio da sociedade catarinense, seu Sistema de Ensino Superior e à su forma, a maioria das unidades que o compõem, um dos fatores de desenvolvimento econômico e social do Estado e da preservação de seu modelo de organização social desconcentrada,  e de todo seu mecanismo essencial.

O primeiro alerta a fazer, portanto é de conscientizar o Estado, seus governantes, suas organizações políticas, econômicas e sociais e quem as administra, da importância e do significado da manutenção de seu Sistema de Ensino  Superior, cujo colapso poderá significar a destruição de uma das forças – motriz de seu desenvolvimento e de sua existência como Estado desenvolvido.

O segundo alerta vai às autoridades federais, desde o MEC até os demais Órgãos do Governo, em especial as esferas judicias, as promotorias e as fontes arrecadadoras, que por amor ao Brasil, se  debrucem sobre o que está sendo feito com o modelar Sistema de Educação Superior de Sta. Catarina, que deveria significar um modelo a ser replicado no País, para tirar o Brasil da situação calamitosa em que se encontra em relação à formação das próximas gerações, e ao desenvolvimento da ciência  e da tecnologia, em níveis exigidos para seu ingresso no século 21 ou na sociedade  pós tecnológica , como uma sociedade desenvolvida sem que tenha perdido sua dimensão humana.

Vale um alerta, ainda, à sociedade catarinense, às comunidades internas, de alunos, gestores e professores, e às comunidades externas, especialmente os meios de comunicação, empresariais, culturais e organizações populares, para que, conscientes da  natureza  da questão que afeta  o Sistema de Ensino Superior de Sta. Catarina , superem divergências conjunturais e  se unam para defender o patrimônio de suas Universidades, que não é apenas um patrimônio material, mas sobretudo um patrimônio de dimensão ética, política, cultural, social e espiritual, representativo dos valores comuns dos catarinenses, conscientes todos de que,  mesma forma como esses Sistema foi instrumento de desenvolvimento para esta geração, possa se constituirtambém em instrumento de formação das próximas gerações, nossos filhos e netos, e de herança, ou  perpetuação, para eles  de uma sociedade justa e harmônica, que é parte essencial do que está em jogo nesse momento.

Enfim, permito-me  lembrar às próprias universidades :

dentro do ritual da Democracia, ainda  no ano  em curso, serão eleitos os que vão governar, seja a sociedade brasileira, seja a sociedade catarinense, sejam as comunidades municipais.

Este é o momento único em que elas, as universidades Catarinenses ,unidas como unidas fizeram sua história ,e conscientes do que elas representam e da consequente força de que se revestem, novamente unidas, exijam dos que pretendem assumir as graves responsabilidades do poder, que se pronunciem sobre o que pensam, sobre o que pretendem fazer, sobre as questões levantadas nesse alerta ,e sobre outras questões pertinentes e levem a eles seu pensamento e as medidas que  devem ser adotadas, para que amanhã, no exercício do Poder que lhes for delegado, ninguém diga que não sabia, ou que nenhum compromisso  teriam assumido.

Estou certo que nessa luta deve estar engajada cada Universidade, a ACAFE, que as coordena, e outras instituições educacionais, especialmente o Conselho Estadual de Educação, guardião dos altos interesses da Educação catarinense.

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