O Sermão do Bom Ladrão, pregado no ano do Senhor de 1655, pelo Padre. Antonio Vieira, na Capela da Misericórdia, em Lisboa, Diane dos áulicos e dos burocratas da Corte, a certa altura, detém-se sobre o que ocorria nas colônias portuguesas, desenvolvendo o tema constante de uma carta de São Francisco Xavier, apóstolo das Índias, sobre o assunto.

Diz o Padre Antônio Vieira:

“Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como tem o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam, e, para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parecem bem e, gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia, sem vontade,  as fazem suas, furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito, e basta só muito e, basta só que ajuntem a sua graça, para serem quando menos meeiros na ganância. Furtam pelo modo potencial, porque, sem pretexto nem cerimônia, usam de potência. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que os outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem o fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os furtos. Estes mesmo modos conjugam por todas as pessoas, porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantas para isso têm indústrias e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos, porque do presente – que é o seu tempo – colhem quanto dá de si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito, o futuro e o futuro do pretérito desenterram crimes, de que vendem os perdões, e dívidas esquecidas, de que se pagam inteiramente, e do futuro empenham as rendas e antecipam os contratos, com que tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos. Finalmente, nos mesmo tempos, não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plus quam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem ser supino do  mesmo verbo: furtar para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados de despojos e ricos, e elas ficam roubadas e consumidas”.

Falou Padre Antonio Vieira, na Praça dos Três Poderes.

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