Date: novembro 4, 2014Author: Osvaldo Della Giustina
Gerou muita perplexidade em certos setores, a entrevista concedida pelo Papa Francisco à Revista jesuítica “Civiltá Cattólica”, onde abordou temas polêmicos com a simplicidade e sinceridade não usuais na Cátedra de São Pedro. Creio que entender, como pressuposto, seu método de análise e expressão das realidades que aborda, há de ajudar significativamente sua compreensão, o que é importante para quem deseje inserir-se no momento de transformações porque passa o mundo e, dentro desse processo, como instituição de singular influência ,a Igreja, posta em suas mãos.
Para o método escolástico de raciocínio, distinguir o objeto em categorias ,ter clareza de conceitos e exatidão em expressá-los, é parte essencial na busca ,na apreensão e na expressão da verdade.
Entender esse método é pressuposto da adequada compreensão da forma como o Papa Francisco expressa a verdade, ou a própria verdade, na sua revolucionária e tranquila forma de ‘AGGIORNAR” a Igreja Católica, inserindo-a no mundo. O Papa Francisco ,como Jesuíta que é, é por formação um escolástico e, na aplicação do método disciplinado ,no seu caso pela mística inaciana, vem surpreendendo o mundo pela naturalidade e segurança com que tem abordado questões das mais complexas e delicadas, como a título de exemplos, o fenômeno gay, o divórcio, o aborto, o celibato eclesiástico, a participação feminina na Igreja, e outros temas até pouco tempo tratados na Igreja como tabus, ,mesmo depois dos avanços do Concílio Vaticano II.
Dentro do mesmo método, e arriscando através dele interpretar a verdade essencial da Igreja da qual ele é guardião, mas inserindo-a na realidade deste novo mundo da pós tecnologia com todas as suas resultantes ,interpreto que o Papa Francisco, além de pressupor a verdade desses conceitos básicos , elabora no mínimo com duas categorias :
-a primeira, a distinção entre valores essenciais da Igreja, do cristianismo, ou valores universais, e valores que foram sendo agregados através de sua já respeitável história de dois mil anos;
-a segunda, a distinção clara entre doutrina e pastoral.
Dentre os conceitos de valores que pressupõe e desenvolve apenas eventualmente, quero assinalar, a percepção ou o conceito da natureza humana, que o faz rejeitar a visão maniqueísta do bem e do mal e aceitar, em consequência, alguma relatividade entre a verdade plena, ou absoluta e a capacidade humana de alcançá-la e praticá-la ,consequência ,esta relatividade, da complexidade da própria verdade, de um lado e, de outro, decorrente da própria limitação da natureza humana feita matéria e, portanto, limitada por natureza…
Esta é uma interpretação do ponto de vista da filosofia, enquanto ciência. Do ponto de vista dos que praticam a fé, e este é sem dúvida o caso do Papa Francisco, se teria ainda a assistência do Espírito Santo à sua Igreja, ao papa, aos colegiados episcopais, ou a seu povo….Mas esta é outra perspectiva, embora as duas possam , devam, ou deveriam, ser coincidentes, ou no mínimo paralelas, as distinções e os conceitos.
Isto posto, voltemos à distinção das categorias referidas e dos conceitos pressupostos.
Dentro da distinção estabelecida pelo método, o Papa Francisco pressupõe que a doutrina da Igreja expressa a verdade absoluta ,ou a perfeição plenamente existente, que, em última análise , só existe em Deus.
Considerando, porém, as circunstâncias e as limitações da natureza humana na prática, enquanto objeto da pastoral, esta verdade pode ocorrer, e ocorrerá, de forma imperfeita e, portanto, diversificada ,por causa das limitações d própria natureza humana .Neste nível, que é o da Pastoral, será juiz, em última análise a própria a consciência individual à luz da perfeição a ser buscada, ou seja, à luz da doutrina.
A função da Pastoral , portanto ,consiste em ajudar as pessoas, as sociedades ou as culturas, a caminhar no rumo da doutrina, ou seja, da verdade suprema, da perfeição, em última análise, de Deus, ou dos valores universais. A pregação da doutrina, a capacidade de compreender as limitações humanas, a que o Papa chama de magnanimidade, e ainda mais, a prática do ministério da graça, isto é, a ministração dos instrumentos de ajuda nessa caminhada, a oração, os sacramentos e as demais práticas religiosas, constituem a própria essência da Pastoral .
Estabelecida a distinção entre essas duas categorias, da doutrina e da pastoral, há outros conceitos inerentes a mesma visão:
É preciso respeitar, pressupõe e ensina Francisco, a liberdade como dom de Deus dado ao homem, mesmo sob o risco da imperfeição, do erro, ou do pecado: “se as pessoas buscam a Deus, quem sou eu para julgá-las?”, disse em uma de suas frases que vale por um tratado de teologia.
Esta relatividade, ou postura de magnanimidade, não é coisa assim tão nova. Antiga liturgia da Igreja a tal ponto expressava a magnanimidade pela condição humana, que, creio que nas cerimonias da sexta feira santa, chegava a exclamar: “oh feliz culpa, que nos permitiu receber tal Salvador!”
É, sem dúvida, na mesma percepção que o Papa Francisco substitui o julgamento pela compreensão; o castigo, pela magnanimidade; o monolitismo pela pluralidade; a rejeição, pelo acolhimento e assim, inclusive, abre espaço concreto para a convivência e o diálogo ecumênicos.
Desta forma, o Papa Francisco está conseguindo equacionar na prática, valendo-se da filosofia, com seu rigoroso método de raciocínio ,iluminado pela fé, ou pela assistência do Espírito Santo como pressuposto da fé, o impasse gerado pela aparente contradição entre a doutrina tradicional da Igreja em seus valores essenciais e a pastoral em sua variedade de condições e práticas na busca da Verdade plena, dos valores universais, ou de Deus, conforme foi dito.
Ver a íntegra da entrevista do Papa Francesco à revista Civilta Cattolica: