Caríssimas amigas, meus caros amigos
Nessa última semana tive duas entrevistas solicitadas por duas instituições do Estado de Santa Catarina que, por coincidência, iniciam as comemorações de seus 60 e 50 anos, respectivamente. Refiro-me a Fundação Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL e da Associação Catarinense de Fundações Educacionais. ACAFE. Resolvi divulgar este texto em minhas redes sociais, por dois motivos.
O primeiro porque ambas as instituições representaram em sua historia dois casos que podem ser colocados como indutores para muitas instituições de Educação ou para organização e administração de sistemas de Educação, tão importantes para esse processo de transformações e, em consequência, para construção de uma nova Civilização adequadas aos avanços da Ciência e da Tecnologia, uma Civilização Pós Tecnológica, Participativa e Solidária objetivo de nossa rede social.
O segundo motivo, que me leva a esta decisão é porque participei pessoalmente da origem de ambas as instituições, condição que que deu origem às referidas entrevistas.
Por inserir-se esta questão no mundo da educação, antes quero fazer uma breve introdução sobre o descompasso histórico do Brasil em relação ao início e ao desenvolvimento de suas universidades, ou de seu sistema universitário, pano de fundo onde se situa a realidade universitária do Brasil, face ao que aconteceu no mundo.
Quando se pensa que, embora existissem alguns cursos superiores isolados em São Paulo, no Rio, em Recife e creio que na Bahia, bem como algumas universidades, como as de Curitiba e Belo Horizonte, criadas mas sem funcionarem antes de 1934, me refiro a USP como a primeira Universidade a funcionar nesse ano no Brasil.
Visitando o Marrocos descobri que, no mundo, a primeira universidade, foi criada no ano de 640,originariamente como Centro da Cultura Muçulmana em Fez, naquele país, criação que só iria ocorrer na Itália com a Universidade de Bolonha em 1088,na Inglaterra ,a de Oxford em 1096, na França a de Paris em 1170, na Espanha a de Salamanca 1218 e em de Portugal a de Coimbra em 1290 .Passando para a América do Norte, encontramos a Universidade de Harvard criada em 1636, nos Estados Unidos.
Mas, sobretudo pode-se melhor avaliar o tamanho do descompasso brasileiro, uso descompasso porque não gosto de usar a palavra atraso quando se trata de nossas coisas, na América espanhola as primeiras Universidades foram criadas, respectivamente, a de Santo Domingo, nas Antilhas, em 1538, a de San Marco, no Peru em 1551, na Argentina a de Rosário em 1658.
No Brasil, repito, tivemos a primeira Universidade funcionando , efetivamente como universidade em São Paulo, em 1934,depois da Revolução Constitucionalista, de 1932.
Pois bem, apesar deste enorme descompasso brasileiro, Santa Catarina só conseguiu criar em 1960 sua primeira Universidade, a partir de algumas faculdades já existentes, a Universidade Federal de Santa Catarina, uma das últimas nas capitais brasileiras e, como se vê, quase trinta anos depois da USP.
No entanto, Santa Catarina é hoje o Estado, por razões óbvias, depois do Distrito Federal, com o maior número de estudantes universitários por mil habitantes, matriculados em suas catorze universidades regionais e diversos centros universitários. O que representa esse desenvolvimento se mede também, nos demais níveis da educação, sendo o analfabetismo no Estado praticamente eliminado, situando-se abaixo de 3%, enquanto no Brasil ainda se mantém uma média de analfabetismo da ordem de 7% ,média que em algumas regiões permanece acima de 10%
O mesmo avanço, neste período aconteceu nos outros setores de desenvolvimento do Estado, sendo Santa Catarina com suas universidades regionais, regionalmente desenvolvido, desconcentrado em sua população e em sua economia, permitindo que os catarinense tenham ,em todas as regiões, seu Sistema de Universidades também regionalmente desconcentrada e portanto participativa, acessível a toda sua população.
Tais características desconcentradas que permitem a participação dos catarinenses no benefícios do processo de desenvolvimento, torna o Estado altamente produtivo, sendo que com uma população de apenas 3,7% da população nacional, considerando seu Produto interno Bruto, ocupe o 6º lugar entre os Estados brasileiros ,enquanto ocupa o 3º lugar em Desenvolvimento Humano, no ranking dos 27 Estados da Federação, com 11 de seus municípios considerados de desenvolvimento humano muito alto, 246 de desenvolvimento alto, apenas 38 de desenvolvimento médio e nenhum município de baixo desenvolvimento. Estou me referindo ao Desenvolvimento Humano-IDH.
A que se deveu este salto?
Em Santa Catarina, de seus 300 mil estudantes universitários, cerca de 40 mil estão na Universidade federal e 30 mil na Universidade do Estado. Os outros, mais de 200 mil , estão em seu Sistema de Instituições universitárias criadas como Instituições Comunitárias, em sua maioria com a personalidade jurídica de Fundações. Refiro-me a mais de uma dezena de Universidades e Centros Universitários regionais associadas à ACAFE, que comemora neste ano seus 50, enquanto a UNISUL ,uma das pioneiras do Sistema, celebra seus 60 anos.
As Fundações, me refiro à maioria e, neste texto, especificamente, à UNISUL, criada em 1964, como fundação de direito privado através de lei municipal, instituição, portanto, como é essa maioria, de direito privado.
É preciso entender que direito privado, não significa que a fundação possa ser entendida como instituição particular, porque ela não pertence a ninguém, nem mesmo a quem a criou, pois o conceito de fundação, como também a legislação referente, definem a fundação como um patrimônio com personalidade Jurídica própria.
Também pela mesma razão, ainda que uma fundação tenha sido criada por lei municipal, ou por qualquer outro nível de órgão público, ela deve e não pode ser considerada estatal, por que ela continua sendo um patrimônio com personalidade jurídica própria e não pertence, portanto, a seu instituidor.
A seus instituidores cabe somente definir o estatuto e constituir seu Conselho Curador que, no entanto, deve respeitar a autonomia da instituição, autonomia em relação a seu instituidor, a seu mantenedor, a seus mantenedores, ou a quem quer que seja.
Faço esta digressão sobre o Direito, sobre a natureza das Universidades e, especificamente ,sobre as fundações, caros amigos, queridíssimas amigas, porque existe uma confusão no Brasil, tanto em certa legislação como em sua interpretação, entre os administradores públicos e, infelizmente, também na sociedade ,quando se reconhecem apenas instituições de direito público ou de direito privado.
O recente reconhecimento da existência de instituições de um terceiro setor, ou de caráter comunitário sem, no entanto, conceder-lhe a condição de uma nova espécie de personalidade jurídica, acaba sempre subordinando essas instituições, conforme as circunstâncias, à personalidade jurídica de direito público ou de direito privado e a suas decorrentes burocracias, quando públicas, ou desconfiança do poder público, quando enquadradas como particulares.
As instituições que compõem o Sistema de Universidades Catarinenses tiveram, o tempo todo, sérios problemas para serem reconhecidas como instituições dessa espécie de direito próprio, o que lhes causou frequentemente significativos problemas, não resolvidos com sua federalização como aconteceu com a Universidade da Região de Chapecó, ou terceirizando por tempo determinado seus serviços de ensino, como aconteceu com a própria UNISUL ,na Região de Tubarão.
É por esses equívocos , que as Fundações quando são definidas como de natureza privada pela legislação, passam frequentemente a ser enquadradas como particulares ou, apesar desta mesma definição legal, as Fundações criadas pelo poder público passam a ser enquadradas como instituições públicas.
No caso do Sistema Catarinense de universidades em razão desses mesmos equívocos ,e de outros, como a dificuldade do reconhecimento de sua viabilidade como instituições nascidas no interior do Estado sem garantia de acesso aos recursos públicos, e, em decorrência, sem poder oferecer seus serviços gratuitamente.
Permito-me ,no entanto considerar que as Universidades, criadas gratuitamente pelo poder público, especialmente as federais, ou as que são enquadradas como instituições públicas, não percebem que o privilégio da gratuidade é sempre obtida à custa da entrega de sua autonomia, ainda que a autonomia seja uma definição constitucional que próprio texto da Constituição define como “ autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.
Foi neste contexto que as Instituições de Educação criadas pelas comunidades municipais de Santa Catarina, mal completados 10 anos de criação das instituições pioneiras, como FURB, de Blumenau e a FESSC, futura UNISUL, de Tubarão, cujo objetivo era a construção das futuras universidades regionais, se organizaram criando a Associação Catarinense das Fundações Educacionais, ACAFE.
A ACAFE tinha, e tem, entre outros o objetivo de prestar apoio a união e a cooperação das instituições desconcentradas e autônomas, porém unidas formando o Sistema referido de Universidades , regionalizado, conforme veio a ser o Estado de Santa Catariana, desconcentrado em suas Regiões, mas integrado através de seus diversos sistemas de afirmação e articulação inter-regional, o que constitui evidente Sistema harmônico entre a organização de um Sistema Universitário e o Estado em que está inserido, desconcentrado e participativo, ou PARTICIPATIVO E SOLIDÁRIO.
Creio, caríssimos amigos, minhas queridas amigas, especialmente neste dia, caríssimos alunos, professores e administradores desse esplêndido Sistema que, apesar do caminho andado, ainda há muito caminho a percorrer, na busca permanente de acompanhar as transformações que caracterizam o tempo presente e mais hão de CARACTERIZAR os tempos futuros.
Tendo participado, de certa forma, de toda sua construção no passado, sei que a construção do futuro não será fácil. Direi que entre as dificuldades que serão, ou continuarão a ser encontradas ,a primeira continuará sendo a inexistência de se entender e construir a referida terceira forma jurídica ,A PERSONALIDADE JURÍDICA SOCIAL, que deverá identificar um novo terceiro setor, autônomo das formas jurídicas pública e privada ou particular. Só quando se criar o ser jurídico social, se poderá ter um Sistema Jurídico perfeitamente autônomo.
Continuará constituindo um obstáculo a superar a falta de conhecimento ou talvez a oposição à existência de um sistema específico e diferenciado, da forma como se constitui ou é imposto ao Brasil, pela legislação ou pela burocracia, a organização e a gestão da Educação Superior, e devo me referir sobretudo à contínua interferência da Administração Federal, caracterizada por sua concentração e consequentemente seu pouco conhecimento, ou seu desprezo ao princípio e à norma constitucional da autonomia da Universidade, o que pressupõem também da organização de seus sistemas.
Na verdade, retorno ao Sistema de Educação Superior, ou de Universidades de Santa Catarina e, nele ,de modo especial à UNISUL e seus 60 anos, como à ACAFE, e seus 50 anos, para dizer que espero o dia em que um passo a mais neste caminho da “ autonomia didático- científica, de administração e de gestão financeira e patrimonial,” princípio constitucional estará, só estará pleno nas Universidades e em seu Sistema no dia em que a ACAFE se constituir, ou se transformar, no CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR DE Santa Catarina, reconhecida sua autonomia e a autonomia de suas universidades, para que elas continuem profundamente integradas entre si, e participativas, cada uma em seu lugar, no Estado e em sua Região a se constituindo num instrumento de promoção ,das Pessoas e do Estado, como tem sido neste meio século ou pouco mais, de sua história.