Artigo para a Revista de Educação e Política Social publicada pelo Center for Promoting Ideas (CPI EUA)
Novembro do 2017

 

Osvaldo Della Giustina é formado em filosofia com curso de Jornalismo e pósgraduação em Planejamento estratégico e de recursos humanos.

Professor secundário e de nível superior nas áreas de filosofia,sociologia,educação e história.

Implantou e dirigiu entre outras, as Fundações: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e do Tocantins (UNITINS).

Homem público, foi Secretário de Estado e Deputado estadual em Sta. Catarina: Secretário para Reforma do Ensino Superior e Secretário chefe de Gabinete do Governador do Estado do Tocantins.

Na área federal, entre outras funções, foi Adjunto da Secretaria de Imprensa da Presidência da República e Chefe de Gabinete do Ministério da Educação, do Conselho Federal da Educação e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.

É autor de 15 livros publicados, inclusive no exterior, dentre os quais PARTICIPAÇÃO E SOLIDARIEDADE a Revolução do Terceiro Milênio, e A NOVA UNIVERSIDADE num Mundo em Transformação, livros que fundamentam este encontro.

Introdução

O presente artigo constitui uma síntese de meu livro sob o mesmo título: A NOVA UNIVRSIDADE num Mundo em Transformação, publicado na União Européia pela Editora Novas Edições Acadêmicas, versões gráfica e on line, e no Brasil em edição gráfica, pela Editora UNISUL, da Universidade do Sul de Sta. Catarina.

-Em sua vertente acadêmica o livro foi fruto de minhas décadas de atuação, como   estudioso, professor, consultor e dirigente de instituições universitárias, além de uma dezena de palestras pronunciadas e debatidas em universidades, seminários e outros encontros acadêmicos.

-Em sua vertente analítica do mundo em transformação a base do livro pode ser buscada especialmente em outro livro PARTICIPAÇÃO E SOLIDARIEDADE, a Revolução do Terceiro Milênio (II), editado  no Brasil pela mesma  Editora Unisul, e na União Européia disponível on  line e graficamente ,vertido para o francês e o inglês, pela  Éditions Universitaires Éuropeènnes

O presente artigo, fruto que é dessa diversidade de vertentes, embora priorizando a questão da universidade em seus aspectos gerais ou conceituais da realidade brasileira com algumas incursões em outros países, não pode ser considerado uma proposta focada apenas numa ou noutra especialidade, seja na área de educação em seus diversos níveis ou modalidades, seja na ´análise das transformações que ocorrem no mundo.

Na verdade, como é convicção do autor, o mundo em transformação, como a educação que nele é contida, não é seccionável. Ao contrário. Cresce em sua interdependência na medida do crescimento de sua complexidade, e assim devem ser entendidos, o mundo e a educação.

É uma análise dentro dessa perspectiva que o presente artigo pretende levar como proposta à consideração de seus leitores, especialmente do mundo acadêmico, a quem é, especialmente, dirigido.

Devo enfim, considerar, que embora esse estudo tenha sua origem na realidade brasileira, analisando essa realidade e propondo respostas para ela, creio que essas análises e propostas ultrapassam esse limite, podendo contribuir para os novos caminhos da universidade, nesse mundo em transformação, mesmo porque nesse mundo nada mais se contém exclusivamente em seus próprios limites.

A convocação para contribuir na construção de um mundo diferente, mais humano participativo e solidário, se dirige a todas as universidades, independentemente de onde se localizem, ou que dimensão tenham sua qualidade ou sua representatividade.

 

Parte  1ª – A UNIVERSIDADE QUE TEMOS

1-A questão fundamental, ou o fenômeno humano

 

Gosto de iniciar minhas palestras, como aliás tenho repetido frequentemente em meus escritos, mais importante que toda parafernália que a tecnologia oferece, na comunicação humana, o mais importante é o olho no olho, a palavra, ou a mensagem direta, seja escrita ou falada, porque a mensagem direta, comunica o ser humano em sua plenitude, não apelando apenas à sua inteligência, ou à sua racionalidade.

Na verdade, a comunicação direta, para alcançar seus objetivos deve, sim, responder a isto mas deve responder também, e sobretudo, à sua consciência, à suas emoções, à sua capacidade de comunicar-se, e de interagir, ou seja, de amar.

Estou convicto que quando se buscam objetivos humanos, só esse caminho, com todas as suas implicações, pode nos dar a segurança de que esses objetivos poderão ser atingidos e que, efetivamente, serão alcançados.

Quando me refiro ao amor, também não quero me referir, como é comum referir-se, simplesmente ao amor como um sentimento romântico, sem valor científico, às vezes até, de acordo com o que dizem, ou praticam alguns sem dizer, contrário ao espírito ou ao método científico, que deve ser frio, impessoal, binário.

Penso exatamente o contrário. Como afirmo em diversos de meus livros, especialmente em PARTICIPAÇÂO E SOLIDARIEDADE e em A NOVA UNIVERSIDADE, ambos citados, especialmente quando se pretende fazer ciências humanas, do homem e da sociedade, o amor deve ser entendido como a própria essência do fenômeno humano, como realmente é.

Desconhecer o amor como elemento constitutivo essencial do ser humano, não considerá-lo, é desconhecer um dos fatores fundamentais, talvez o mais fundamental de todos os elementos que constituem o ser humano, para poder entender o Homem e suas relações, ou seja sua vida em sociedade, portanto, também para entender, administrar, viver a Universidade.

Desconhecer ou negar o Amor na análise das coisas humanas seria como desconhecer, ou negar, o hidrogênio, ou o oxigênio, ao se analisar a água;

Ao dizer isto, não estou inventando a roda. Talvez tenha tido como inspiração inicial o que afirmou Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, ao referir-se ao” Amor que move o sol e todas as estrelas”.

Penso que, em sua expressão poética, Dante Alighieri intuiu uma verdade essencial, por isto científica, (ou só é científico o que não é essencial, só são científicas as aparências?) que faz com que toda a natureza exista e funcione.

Refiro-me à complementariedade e à atração entre todos os seres, complementariedade e atração que nos astros pode chamar-se simplesmente atração e gravitação, ou gravidade em todos os seres físicos, instinto entre todos os seres vivos,mas que no Homem alcança sua plenitude: o Amor.

Alcança a plenitude no Amor, por causa da consciência e da liberdade que se exerce sobre a mesma complementariedade e atração, aquela… que faz mover o sol e todas as estrelas.

Por isto, arrisco-me a ter como pressuposto, e a propor que seja considerado, o Amor como estofo essencial dessa reflexão sobre a universidade e o mundo em transformação, na convicção, que sem o amor nada do que é humano funciona, o mundo dos homens não funciona, a universidade não funciona

Nesta percepção esta é a primeira reflexão proposta à consideração e talvez seja a mais importante de todas, porque se refere ao essencial do fenômeno humano, portanto da análise, ou da visão científica, sobre o mundo em transformação e sobre a universidade enquanto fenômenos humanos.

2 – A questão da universidade

Neste contesto quero incialmente lembrar que nas suas origens, no primeiro milênio, as universidades estiveram profundamente ligadas ao processo civilizatório .Pode-se dizer que a Idade Média, seus valores, sua ética ou seu modo de pensar e organizar-se, nasceram nas universidades, ou encontraram ali seu berço, que gerou o renascimento das ciências e das artes, responsáveis pela civilização da segunda metade do milênio passado, independentemente de como venha chamar-se essa civilização que encerrou o século passado: civilização industrial, capitalismo, socialismo, ou outra denominação.

Faço esta introdução para perguntar:

Como se situa a Universidade hoje, face à civilização desse fim de século, e a nova civilização que se impõe nesse começo do novo milênio, como consequência das transformações trazidas pelos avanços da ciência e da tecnologia?

Trago essa interrogação porque quero dizer que a questão da universidade, nesse mundo em transformação, não deve resumir-se à seu eventuais problemas internos que a podem atingir, aqui mais, acolá menos, a crise financeira, a retração do mercado, a busca de aumentar sua clientela, a atualização de seus métodos de ensino ou dos currículos de seus cursos, o melhor marketing, e outras questões que às vezes consomem suas preocupações, suas análises e seu esforço de sobrevivência.

Estou certo, a seguir, que, como um caminho para equacionar todas essas preocupações, é preciso trazer para a universidade a questão do mundo em transformação, ou das transformações sociais, transformações que tem uma dimensão civilizatória, isto é, que abrangem todos os setores da vida em sociedade e, portanto, constitui parte essencial da vida das pessoas e das instituições.

Em consequência dessa nova abrangência é preciso perceber que a ciência e a tecnologia tornadas de nível superior, alavancaram para esse mesmo nível toda a sociedade, sua organização e todas as funções que nela acontecem ou que as pessoas nela desempenham, e não apenas as funções relacionadas ao trabalho, à preparação de profissionais para um mercado que se sofistica, se transforma a cada dia. Na verdade, essa sofisticação e essa transformação continuas acontece em tudo, em todas as dimensões da vida individual e da vida social, ou seja, abrange todo o processo civilizatório.

Essa nova sociedade da pós tecnologia, exige nível superior para compreender o mundo com sua complexidade e contínua mudança, compreender as pessoas, a si mesmas e sua posição na sociedade, ou no mundo, compreender a economia, a política, a cultura, a ética, enfim…

O mundo, trazido por essa nova transformação de dimensão civilizatória, é todo de nível superior, insisto, e seguramente, se as pessoas e as instituições não alcançarem esse mesmo nível, não se integrarão, não encontrarão lugar nesse mundo transformado, e se a sociedade não se organizar e não funcionar também no mesmo nível desse mundo transformado, mas permanecer com sua organização e em suas instituições no passado, longe dos avanços da ciência e da tecnologia, é de se temer pela sobrevivência do mundo, aos menos   como  sociedade humana, ou civilização. Como há de sobreviver, não sei.

No entanto embora isto esteja acontecendo no mundo, e embora haja um certo consenso de que Universidade existe para produzir, guardar e difundir o conhecimento, a ciência e a tecnologia e que para isto ela tem como funções essenciais, a pesquisa, o ensino e a extensão, indissociáveis de acordo coma \Constituição no Brasil, a universidade brasileira, persiste em continuar sendo e funcionando como era e funcionava antes que essa transformação acontecesse. Seguramente muitas outras universidades estarão assim no mundo, dissociadas de seu tempo.

Neste trabalho, no entanto, vou me cingir exclusivamente à universidade brasileira, não indo além de ilações eventuais referências que venham a ser feitas em relação à situação de universidades de outros países, ou então como simples razões de ordem explicativa ou de comparação.

Assim de dizer que a universidade brasileira é,  tende a continuar sendo, uma instituição prioritariamente, às vezes , voltada à formação de profissionais para o mercado, prioritariamente através do ensino (deixando em segundo plano, ou em plano nenhum, a pesquisa e a extensão, o que justifica o fato de ela ser denominada,  certa leniência delas  mesmas, pelo Ministério da Educação e por outros órgãos, inclusive pela legislação e as normas  que a regem, simplesmente de Instituições de Ensino Superior(IES) o que realmente acabam sendo.

Como mudar isto, ou seja, estabelecer a coerência entre o conceito de universidade como instituição promotora, guarda e difusora do conhecimento, e a realidade prática, ou seja, a universidade que temos?

3- A  universidade que temos ,ou os equívocos da  universidade.

Na prática, qual a universidade que temos no Brasil e até que ponto esses modelos se replicam em outros países?

Creio que a resposta é positiva, em relação a outros países. Mas me restrinjo ao caso brasileiro.

Mesmo restringindo-me ao caso brasileiro, não vou me alongar na resposta a essa questão essencial, que constitui um diagnóstico necessário, embora doloroso, mas necessário porque sem ele, não há como transformar a universidade.-

– A universidade como instituição de ensino. Já me referi a esse equívoco, mas quero acrescentar que os fatos o demonstram:

Os orçamentos da universidade são consumidos pelo ensino. Recursos para a pesquisa e a extensão, se houver- e os próprios docentes concordam com isto, quando pedem que os orçamentos lhes reservem 2,3 ou 5% para essas atividades. A universidade não assimilou que o conhecimento de nível superior, sua produção, portanto a pesquisa, como sua difusão, a extensão, constituem os próprios métodos de ensino, ou de transmissão e aprendizado do conhecimento em nível superior. Nesse nível, não necessariamente se está falando em pesquisa avançada, pesquisa de ponta, que evidentemente não se exclui mas para esta sim, em geral, há de haver aportes específicos, o que não se aplica para a pesquisa e a extensão indissociáveis do ensino como determina a lei e a o bom entendimento do que seja ensino superior, ou universidade.

Consequência desse entendimento equivocado, o planejamento é feito sobre grades horária de aula, a remuneração tem como critério a hora aula, a estrutura e os meios de infraestrutura são planejados e organizados tendo em vista as aulas;

Enfim…a universidade apenas como Instituição de ensino…

– A universidade fornecedora de mão de obra.

Esta forma equívoca de conceber a universidade, se agrava, porque se transformou em verdadeiro traço cultural , que se reforça com o excesso de regulamentação do exercício profissional, geralmente dito privilégio do exercício profissional, que efetivamente acaba por serão invés de ser inspirado apenas  pelo interesse da sociedade, pois além do exercício profissional acaba sendo critério de salário e remuneração e outros privilégios, (até de cela especial na prisão) que frequentemente simplesmente dispensam o conhecimento e também fazem buscar a universidade apenas em função do diploma, dispensando o conhecimento

-A universidade fábrica de diplomas

É dessa forma e por razões semelhantes que muitas universidades acabam por se transformar em Fábricas de Diploma, o que significa a negação do significado de ser universidade.

– A Universidade centro de difusão de ideologias e outros interesses

Sem preocupação maior em desenvolver e difundir a ciência, ou o conhecimento, a universidade   torna-se frequentemente em simples ambiente propício à difusão de interesses alheios ao conhecimento, sejam de caráter político partidário, seja religioso ou de outra espécie. Notem, que estou falando de ideologias, às vezes de fundamentalismos, e não de participação política ou em valores religiosos ou de outra espécie.

– A universidade simples atividade comercial.

Enfim é dessa forma que se chega à universidade transformada em simples atividade comercial que pode se tornar até altamente lucrativa à custa da qualidade, ou seja, do conhecimento, de sua geração, guarda e difusão.

Quero frisar que de forma alguma quero me referir a iniciativa particular e onde existem universidades e outras instituições de primeira linha. Também porque, numa sociedade, além da ameaça de entregar o conhecimento à ideologia, ou ao monopólio do Estado, como acontece nas ditaduras, uma simples equação aritmética seria suficiente para demonstrar a impossibilidade financeira do Estado de responder às demandas quantitativas e qualitativas de uma sociedade desenvolvida, ou que deseje alcançar essa condição.

Resumindo esses equívocos cabe perguntar:

Como pode uma universidade, em meio a tais equívocos, inserir-se num mundo em transformação e tornar-se um agente ativo na construção da nova sociedade, ou na civilização da pós tecnologia.

 

Parte 2ª- O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

 1 – As mudanças civilizatórias

Tenho me referido várias vezes à mudança de dimensão civilizatória por que estamos passando. Esta não é a primeira vez que a história da evolução da sociedade passa por mudanças desta dimensão. Os historiadores e sociólogos, os antropólogos chegam a um certo consenso sobre as diversas etapas em que ocorreram tais transformações, como também em definir as causas, ou fatores que as determinaram.

Assim pode-se referir como primeira mudança civilizatória a transformação da forma de vida primitiva, nômade ou das cavernas para diversas formas de fixação como o surgimento dos primeiros conglomerados urbanos, transformação atribuída especialmente ao domínio do fogo e à utilização dos metais;

– Depois, das primeiras organizações urbanas para a constituição dos grandes impérios, onde os mais fortes, pelo domínio de vários, subjugaram os que evoluíam em estágios menos avançados, estabelecendo seu domínio sobre eles;

– em sequência, já sob o desenvolvimento das ciências e a influência do cristianismo, absorvido pelos povos periféricos à medida que destruíam o Império Romano, no ocidente, determinando uma nova ordem civilizatória, a civilização medieval, que, depois de alguns séculos, com o desenvolvimento da ciência experimental, das artes e do pensamento humano, acabou por  provocar uma nova transformação civilizatória, com a introdução da máquina a vapor, inicialmente, e das inovações que  ela trouxe, ou permitiu, como a descoberta do novo mundo ,as novas formas de produção substituindo a produção artesanal ,transformando a organização econômica, política e social;

– Assim o processo civilizatório chegou à nova etapa: a civilização industrial em suas diversas formas de organização entre as quais predominam os sistemas denominados capitalistas em suas diversas acepções, e socialistas igualmente em suas formas diversificadas.

Essa fase evoluiu para o que muitos especialistas ainda denominam de segunda revolução industrial. Na minha concepção, esta é uma expressão muito fraca para caracterizar as transformações trazidas pela Ciência e pela Tecnologia após a período industrial, essas nova transformações alcançaram uma dimensão jamais imaginada no passado e, tanto mais, jamais acontecida.

Por isto ao invés de segunda revolução industrial, parece-me preferível denominar essa nova etapa da evolução humana de civilização pós tecnológica.

No entanto, o que ocorre, e esta é uma questão de extrema gravidade, é que a revolução acontecida na ciência e na tecnologia, ainda não ocorreu na ordem civilizatória, que teima em sobreviver como se ainda vivêssemos na era da pré tecnologia, na primeira Revolução Industrial ou quiçá na Idade Média ,o que causa uma grave disritmia, ou desequilíbrio entre a realidade  científico-tecnológica e a realidade civilizatória.

Mas é importante que se percebam nesse processo duas diferenças essenciais que caracterizam a atual transformação civilizatória quando comparada com as transformações anteriores:

– a primeira, a velocidade com que está ocorrendo hoje essa transformação, graças à inovação cientifica e tecnológica contínua, que nos permite concluir que esse processo histórico, ou da evolução humana, obedece à uma lei que é de toda a natureza: a lei da aceleração das mudanças.

Assim é que a primeira transformação civilizatória, aquela do homem primitivo, nômade ou das cavernas para a sociedade urbana, durou milhares, talvez milhões de anos. A segunda, da organização primitiva, para os grandes impérios, alguns milênios. O advento do feudalismo não mais que algumas dezenas de séculos, e do mundo industrial para o mundo a que chamo de pós tecnológico, está acontecendo em menos de um século, e está a  se tornar cada a vez mais um processo continuo, como o das transformações da ciência e da tecnologia.

Esta, a primeira diferença;

– a segunda diferença consiste no fato de que as transformações no passado sempre aconteceram mais ou menos localizadas, em tempos diferentes, enquanto que a que estamos vivendo ocorre simultaneamente no mundo, como consequência, ou causa da tecnologia que impôs ao mundo, ou ao processo, a globalização.

Pois bem. Não podem as pessoas, como as instituições, e de um modo especialíssimo as universidades, permanecer estáticas, paradas, nesse processo, ou mesmo se transformando, se transformem com a lentidão do passado, enquanto a Ciência e a Tecnologia se transformam e transformam o mundo, na velocidade de forma cada vez mais rápida e cada vez mais continua obedecendo à lei da aceleração das mudanças.

As instituições, as universidades inclusive, que não perceberem esse processo, e não tomarem este trem, com esta velocidade, estão inevitavelmente fadadas a se tornarem insustentáveis e serem eliminadas do processo.

Temo que isto está acontecendo, e não só com a universidade, mas com a civilização.

1-As ameaças sobre o Planeta

A insustentabilidade da civilização inicia pelas ameaças de destruição do Planeta, que o uso irresponsável do poder da tecnologia, e da ciência vem provocando, o que pode se tornar mais grave na medida em que alguns ainda estejam cegos ao que vem ocorrendo com a casa comum dos homens e de todas as espécies que nela habitam.

Entre os cegos que não querem ver, graças às suas atitudes, parece que deva ser incluído o recém eleito Presidente da maior potência do Globo, Donald Trump, que encarapitado no alto do Empire State Bulding, vem lançando suas ameaças sobre o mundo, como King Kong lançava sobre a cidade Nova York ,embora sem a sensibilidade de King Kong, que se rendeu ao amor.

Não me alongo sobre o conjunto de fenômenos que ameaçam a sustentabilidade do Planeta, como o aquecimento global, as mudanças climáticas, a destruição das águas, da cobertura vegetal e a ocupação irracional do solo, o degelo das regiões polares, a poluição global e outros fenômenos, já suficientemente comprovados por cientistas e aceitos por personalidades mundiais em todas as áreas  do conhecimento e das atividades humanas, como pela população mundial, parte da Massa de Consciência, que cresce no mundo.

Tal evidência mostra que  a preocupação com a preservação do Planeta e a conservação de seus recursos naturais não é um sonho ou um devaneio de românticos de desocupados, mas uma ameaça real sobre a humanidade, ou a civilização, se não forem mudados os hábitos, ou a forma irresponsável como vem sendo  utilizada a ciência e a tecnologia, onde predomina a concentração da riqueza ,do poder, e do hedonismo sobre o bem da humanidade, se não forem mudados o entendimento e os hábitos, dizia, com a urgência e a profundidade para estancar e reverter o processo.

Isto considerado, me atenho apenas ao que alertam dois cientistas, por sinal americanos, Noemi Oreskes, Professora de Harward e Erick Conwey, engenheiro pesquisador da Nasa, em seu livro A Derrocada da Civilização Ocidental.

Colocando-se como se fossem atentos   historiadores vivendo pelo ano de 2300, portanto daqui a quase 300 anos, eles analisam o que aconteceu com o Planeta Terra, a partir do fim do século 19 e durante o século 21, portanto nos anos que estamos vivendo.

Nesse período os pesquisadores descrevem como ocorreu o aquecimento global, as mudanças climáticas, a elevação dos oceanos, a destruição das florestas e da cobertura da terra, a destruição da camada de ozônio, esses e outros fenômenos cujo início estamos assistindo e cujos efeitos dramáticos vieram atingir bilhões de seres humanos, diretamente mais de   um terço da humanidade e concluem:

”O mais grave de tudo é que os cientistas e os chefes de Estado daquela época, sabiam o que estava acontecendo, sabiam as consequências do que estava acontecendo, mas nada fizeram para evitar que tudo viesse efetivamente a acontecer. ”

Eu me pergunto até que ponto o veredicto da história será aplicado às universidades, à universidade, à que pertence cada um de nós…

Enquanto isto, o que ocorre com nossa casa, nosso Planeta, o que está acontecendo com a sustentabilidade da civilização-isto é, com o conjunto das pessoas, ou dos habitantes da Terra ameaçada, suas instituições, sua organização e seus relacionamentos…

 

3 – A insustentabilidade da atual ordem civilizatória

Diante do que vem acontecendo no mundo, da desigualdade, da concentração e da exclusão de grande parte da população dos benefícios do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, cada vez mais concentrados nas mãos de um número cada vez menor de pessoas, regiões e países, diante da exclusão, das crises e dos desequilíbrios que elas provocam, é preciso perceber, que esses desequilíbrios estão gerando em dimensão crescente ameaças sobre os avanços conquistados pela civilização em sua longa história.

Dessas ameaças são sintomas que se multiplicam as tragédias como as dos milhões de refugiados, o terrorismo, as guerras e os conflitos espalhados nas mais diversas partes do mundo, a fome, as doenças e a miséria que dizimam populações como a peste negra dizimava na Idade Média, a perda de valores universais, que constituem o mais valioso patrimônio das sociedades civilizadas.

São essas questões que precisam ser postas à consideração das universidades, perguntando se será sustentável uma sociedade que embute tantas e tão graves distorções.

Cabe perguntar aos intelectuais, aos acadêmicos, enfim, aos responsáveis pelo poder, ou por parcelas do mundo e, especialmente, às universidades:

– será sustentável um mundo onde o mau uso da tecnologia, como vimos, em mens de um século, destruiu de forma   irrecuperável, mais de 30% dos recursos naturais do Planeta, e está produzindo mudanças climáticas que, se não revertidas em tempo, poderão tornar a Terra   um Planeta de vida em extinção…

será sustentável uma economia que cresce globalmente em torno de 3% ao ano, enquanto o resultado desse crescimento se concentra n as mãos de uma minoria cada vez menor, a mais do dobro, quero dizer, a mais de 6% ao ano, ampliando perigosamente, nessa progressão geométrica, o abismo que separa os beneficiários do processo daqueles que são dele excluídos….

será sustentável uma civilização onde os sistemas globais que comandam o mundo, graças ao poder da tecnologia concentrada em suas mãos, estão fazendo substituir a diversidade, fundamento e pressuposto da liberdade, pelo monopólio da cultura, pela unificação do pensamento, dos usos e dos costumes, impondo à civilização a ideologia, ou a cultura do consumismo e da alienação de um mundo de valores perdidos …

-ou serão sustentáveis os regimes políticos incapazes de estabelecer a justiça nas relações entre as pessoas, entre os segmentos sociais e entre os povos, mantidos esses regimes pelos mesmos sistemas dos que tem de sobra sobre os que tem falta de tudo, e ao me referir aos que tem de sobra, não me refiro só a pessoas, mas também a países ou regiões, e também não me refiro só  a bens materiais, mas  me refiro especialmente aos bens culturais, ao bem estar, ao acesso à saúde, à educação, enfim, a tudo o que significa uma dimensão humana de ser e de viver….

-ou será sustentável um mundo onde os avanços da ciência e da nova tecnologia, produziram uma total transformação, trazida pela informática, as redes globais e a interdependência, a física cósmica e a química fina, a microbiologia, a globalização…enfim… enquanto a organização social e as relações humanas em nada mudaram ,ou mudaram apenas superficialmente e continuam inspiradas e administradas de acordo com  normas, leis, princípios, equações e ideologias, geradas nos passados tempos da primeira Revolução Industrial, ou em séculos anteriores que a era da nova tecnologia ultrapassou irreversivelmente…..

-será sustentável um mundo onde milhões de pessoas, de tantas formas excluídas, fogem das guerras, das tiranias, da fome da doença e da morte, em grande parte herança dos impérios “colonizadores” onde o “sol não se punha”, tão grandes eram, arriscando a vida e milhares morrendo na travessia  de mares, nos muros e nas cercas de arame farpado do mundo rico, lembrando, ao avesso os campos de concentração da era nazista e fazendo reviver cenas da Idade Média que se imaginava jamais pudessem ser vistas novamente…

-enfim, é imperativo perguntar se será sustentável um mundo onde a ética e os valores foram destruídos nas relações humanas, e frequentemente na consciência dos homens, deixando o vazio, o vácuo, nas mentes e nos corações, para serem ocupados pela ambição sem limites, o lucro e o consumismo, o pansexualismo e o prazer, o poder e o dinheiro, estabelecidos e adorados como os novos deuses, e repito o Papa Francisco, os novos deuses feitos supremos valores a quem tudo se sacrifica, inclusive a dignidade humana.

Quero concluir esta grave questão referente a uma civilização   que caminha para a insustentabilidade, deixando, ainda, a pergunta essencial:

diante desse mundo em desagregação, como se situa a universidade, a universidade a que pertencemos, com quem estamos comprometidos…ou simplesmente não se situa, alheia ao que ocorre no mundo, ou com a civilização, “que esse não é problema, nem competência da universidade, ou de cada um de nós, individualmente, da minha disciplina….do meu mestrado”…

– também quero perguntar, para que mundo nossa universidade está formando as novas gerações, para esse mundo em desagregação, para inserir-se nele com sucesso, ou as está preparando para serem colaboradoras na construção desse novo mundo que necessariamente virá, a nova civilização, onde se harmonizem os avanços da ciência e da tecnologia, com a plena dimensão humana e, nesse preparo, estejam aptas a se integrar nessa nova civilização, colaborar em construí-la e nela viver em plenitude….

Todo o exposto está muito bem, muito louvável. Mas há “a pergunta que não quer calar”:

é possível, ou como é possível, construir essa nova civilização?

 

4 – Os fundamentos da nova civilização

Respondendo a esta questão quero dizer que sim, que é possível construir essa nova civilização e que essa possibilidade não é um sonho romântico, nem um voluntarismo inconsequente, mas se insere dentro da lógica da história, dos valores e das aspirações da humanidade e que, paralelamente às ameaças de destruição do Planeta e de insustentabilidade da Civilização, cresce e se espalha no mundo, uma nova e poderosa Massa de Consciência em favor da nova Civilização.

É preciso que todos estejamos atentos, e que as universidades despertem e se insiram nessa Massa de Consciência, assumam seus valores, contribuam para seu fortalecimento e difusão, se concentram em transformá-los em instrumentos e ações concretas para organizar e fazer funcionar a sociedade embasada neles.

É preciso estar atento para milhões de pessoas em todo mundo, que indo às ruas, ou no recesso de seus lares, ou de suas consciências, independentemente de raça, credo, crença, condição social, ou qualquer outro atributo, se posicionam em favor da justiça, da igualdade de direitos ,do respeito e da promoção dos  direitos humanos, da diversidade e da igualdade entre todos, da preservação do Planeta e de seus recursos naturais, da exigência de uma nova ética, da paz entre pessoas, povos e nações e de uma  dimensão plena do amor e da vida, valores universais expressos na Massa de Consciência, que penso poder resumir no direito universal à Participação e à Solidariedade .

Estou certo que é essencial e urgente que as universidades assumam esses valores da Massa de Consciência e os transmitam às novas gerações e a todos com quem se  inter relacione, preparando a todos para serem colaboradoras na construção desse novo  mundo e  preparando-os para nele viver, ao invés de serem preparados para se inserir neste mundo, ou nesta civilização insustentável que ainda persiste, fundamentada na competição, na concentração excludente e na ambição sem limites, raízes de todos os males ,tendo no poder e na concentração da riqueza, como disse, seus valores supremos.

Concluindo essas reflexões sobre os fundamentos da nova civilização, para a qual caminha a humanidade como imperativo da evolução da história de que constituem sinal evidente os avanços da ciência e da tecnologia, devo acrescentar, que a Participação e a Solidariedade, enquanto princípios éticos, encontram na  desconcentração de toda organização social e de seu funcionamento no lugar da concentração, e na cooperação entre todos, pessoas povos e nações no lugar da competição excludente, os modelos operacionais capazes de organizar a nova sociedade, preservar o meio ambiente e construir a civilização da era da pós tecnologia,  e sintonizar seus avanços com a preservação e a plena promoção da dimensão humana. Tenho fundada esperança que as universidades assumam esta causa e preparem as novas gerações e todos com quem ela interagem, para contribuir na construção dessa nova Civilização, a Civilização da Participação e da Solidariedade.

Parte 3ª- A NOVA UNIVERSIDADE.

1 – A universidade brasileira, um milênio ou vários séculos depois.

Poucos sabem que  o Centro de Cultura Muçulmana, criado em Fez no  Marrocos, no século IX,  cuja estrutura física ,no centro da Casbah daquela cidade, ainda abriga a atual Universidade da Cultura Muçulmana ,  é considerada a primeira universidade do mundo Os primeiros séculos do Milênio passado, viram nascer as grandes universidades europeias, Bologna na Itália, Oxford na Inglaterra ,Paris na França, além de outras que se espalharam pela  Alemanha, Espanha, Suécia e se multiplicaram nesses e em outros países.

Na América, a primeira universidade, a de Sto. Domingo, no Caribe, surgiu no primeiro século das grandes descobertas, o século XVI, seguida pelas universidades de San Marcos no Peru, da que é hoje Universidade Nacional do México, da de Sto. Tomaz, da de Córdoba, da San Francisco de Sucre e de outras, todas na América espanhola nos séculos XVI e XVII. A pioneira dos Estados Unidos, a Universidade de Harward, data também do  século XVII.

No Brasil, colônia portuguesa, nenhuma universidade ou curso de nível superior existiu no período colonial. Cursos ou disciplinas esparsas consideradas de nível superior foram criadas na segunda metade do Império, nas áreas do Direito e da Medicina, no Recife, em Salvador, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apesar de algumas iniciativas em Curitiba e Minas Gerais, só em 1934, há bem menos de um século, portanto, funcionou a primeira universidade brasileira, a USP-Universidade de São Paulo, criada durante a Revolução constitucionalista daquele Estado.

Creio que não devo estar exagerando ao dizer que a universidade brasileira, a cultura brasileira e o Brasil, estão pagando um preço, e estão ameaçados de pagar um preço muito maior, por esse atraso histórico, de um milênio, de muitos, ou de vários séculos.

Talvez não justifique mas permite entender melhor porque em quase todos os rankings  internacionais que espelham ou pretendem espelhar a qualidade das universidades, o Brasil aparece sempre no último terço entre os países analisados.

Isto me leva a concluir que para o Brasil, também por causa de seu atraso histórico, mas creio que não só para o Brasil, há um imenso trabalho a ser realizado para sintonizar a universidade e, com seu concurso sintonizar a civilização com os avanços da Ciência e da Tecnologia, preservada a dimensão humana.

1-Alguns aspectos específicos da universidade brasileira

2.1-A presença do Estado: a indissociabilidade do Ensino da Pesquisa e da Extensão e a autonomia da Universidade.

Na história republicana só a Constituição de 1988 – a 5ª nesse país fértil em leis e constituições e, portanto, de instituições frágeis, tratou substantivamente da universidade.

A Constituição de 1988, em seu Art.207 estabelece:

“ As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa extensão”

Creio que seria difícil dar forma mais explicita e clara desses dois princípios constitucionais que regem, ou que deveriam reger a universidade brasileira.

No entanto ,valendo-se da infinita imprecisão da língua  portuguesa, na qual cada palavra pode ter um, dois, três ou mais sentidos,( o que  pode caracterizar o português como uma língua muito romântica, em  compensação muito pouco científica), abriu-se no Brasil o paraíso da cornucópia legislativa, dos pareceres, das resoluções .enfim da desmoralização do óbvio, ainda que seja constitucional esse óbvio, pela prevalência das interpretações, dos pareceres do assessor , do  ministro, do chefe ,enfim dando sentido à sabedoria popular quando alerta que ”manda que tem poder”, obedece quem tem juízo.

Creio que é óbvio que a Constituição ao estabelecer a indissociabilidade entre a pesquisa, o ensino e a extensão, quis significar que tais funções, sendo inseparáveis, não podem ser ministradas uma sem que se ministre a outra, com um mínimo de paridade entre elas.

No entanto, as estruturas, desde em âmbito federal até nas universidades, as separam em suas estruturas orgânicas e funcionais, nos orçamentos, na disponibilidade de recursos, nos currículos e disciplinas, no planejamento das atividades acadêmicas, prevalecendo longe as atividades de ensino sobre a pesquisa e a extensão, o que explica, e justifica, que sejam concebidas e chamadas simplesmente de INSTITUIÇÕES DE ENSINO – IES.

Estou certo também que, ao estabelecer esse tripé, a Constituição embutiu nessa expressão o próprio conceito de universidade, como a instituição que produz (pesquisa), guarda e difunde (ensino e extensão) o conhecimento;

Enfim, não tenho dívidas de que esse conceito não se restringe apenas às universidades, mas se aplica, a toda instituição de nível superior, embora sua aplicação possa ser diferenciada de acordo com o nível de cada instituição, mas em qualquer uma delas, é esse tripé que as caracteriza como instituições de nível superior.

Em relação ao segundo princípio, o primeiro pela ordem redacional, a autonomia da universidade, é preciso entender, embora Estado pareça não entender e nem sei se as próprias universidades o tem entendido, que ela, a autonomia, decorre da natureza da ciência, que não existe em função desse ou daquele interesse, seja do Estado, do Governo, da ideologia, do lucro ou de outro qualquer interesse, mas necessita ser independente na sua investigação, no seu desenvolvimento e em sua difusão, para que seus resultados possam efetivamente ter confiabilidade, ou reconhecimento científico.

Creio que por pouco conhecimento de sua natureza científica, e não apenas pelas múltiplas interpretações do dispositivo constitucional que a expressa juridicamente de forma, como disse, explícita e clara ( autonomia didático científica, e de gestão financeira e patrimonial ) a autonomia universitária tem  sido apouco respeitada pelo Estado, às vezes por suas mantenedoras, que interfere a toda hora em sua gestão didático -científica, estabelecendo currículos, metodologias, tempos, avaliações  e outras formas de intervenção na vida da universidade, e também sobre a gestão financeira e patrimonial, estabelecendo indiscriminadamente valores, taxas e formas de pagamento, não apenas em relação a seus recursos ,no caso do Estado ,recursos púbicos que nelas investe ,o que se justifica nos termos e nos limites da lei,  mas também sobre  recursos de qualquer outra fonte.

Nessa cultura de intervencionismo o Estado deve ser inquirido sobre os limites de suas competências, que no fundo devem restringir-se à garantia dos interesses, ou da segurança da sociedade e, no caso, especificamente às atividades referentes à concessão de privilégios do exercício profissional, jamais às atividades referentes ao desenvolvimento do conhecimento que como vimos, constitui a natureza essencial da Universidade, e que ela mesma, em geral, desconhece e, por isto mesmo ,não a pratica .

É preciso entender, que o grande espaço do exercício da autonomia da universidade, está no conhecimento, na produção, na guarda e na difusão do conhecimento e não na formação profissional.

Ocupar esse espaço do conhecimento, ou percorrer o caminho da transição do espaço da competência do Estado, a que a universidade hoje se amarra (a universidade formadora de mão de obra) para ocupar o espaço do conhecimento, é o primeiro passo que vai viabilizar a construção da NOVA UNIVERSIDADE.

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2.2-O caminho da da construção da NOVA UNIVERSIDADE.

Não dá de percorrer esse caminho, fazendo qualquer coisa. Obter êxito nesse propósito exige definir com a coragem o objetivo onde se quer chegar e os meios para chegar. Embora não existam receitas porque cada instituição, em função de suas realidades, deve definir suas prioridades e seus meios.

Quero, porém, referir-me ao que considero quatro prioridades, sem o que se poderá cair na vala comum de mudar tudo para que tudo acabe ficando exatamente como está. Penso que toda a comunidade  universitária deverá ser envolvida  em algumas prioridades  essenciais:

– a primeira integrando definitivamente ao ensino e a pesquisa e a extensão como seus elementos indissociáveis

– a segunda, buscando a flexibilização da estrutura e dos procedimentos acadêmicos;

– a terceira, assumindo que a função da nova universidade consiste em difundir  o conhecimento de forma permanente, permanecendo à disposição das pessoas por toda sua vida,

–  a quarta, adotando a virtualização como instrumento essencial na produção, na guarda e na difusão do conhecimento.

Vamos a algumas considerações em tono desses temas:

1. A integração da Pesquisa, do Ensino e da extensão

Sobre a primeira questão lembro que a maioria das universidades ainda resumem o planejamento acadêmico ao planejamento de aulas, à famosa grade horária. É a mais eficaz forma, dentro da universidade, de não praticar o preceito constitucional da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, e negar seu conceito em geral aceito que a universidade constitui sobretudo um centro de inovação, ou seja de criação e desenvolvimento da ciência, guarda e difusão de seu patrimônio

Ou podem as aulas desempenhar todas essa funções? ou a pesquisa  e a extensão podem ser promovidas desde que os interessados busquem recursos  extra orçamentários, uma vez que em torno de 70% ou 80% do orçamento da universidade são gastos  no pagamento de aulas e na administração ,restando, às vezes  3 ou 4% para a pesquisa e a extensão, o que é mais grave, pois esses valores satisfariam a reivindicação dos docentes que quisessem programar alguma dessa atividades .

Tal equívoco decorre da ideia de que a Pesquisa ou a Extensão da Universidade, necessariamente deve ser uma atividade de ponta, de altíssimo nível- e é verdade. Mas   esse tipo de pesquisa é próprio das grandes universidades de seus pesquisadores do mais alto nível e seus recursos buscados nas fontes nacionais ou internacionais de financiamento, que isto é possível

Não quero dizer que tais pesquisas não possam ser feitas por universidades menores, ou a nível de graduação. Mas é preciso entender que a pesquisa e a extensão podem se dar simplesmente no meio onde atua a universidade, na pesquisa e na análise científica de suas potencialidades ou de seus problemas e das formas de resolve-lo.

Mas é preciso entender sobretudo, que a pesquisa, a extensão, constituem sobretudo um método de aprendizagem do exercício da ciência, de fazer ciência e de aplica-la. É isto, fazer ciência e saber aplica-la é que distingue a formação de nível superior da formação em outros níveis, ou em outros graus, esses sim, e por isto, chamados graus de ensino, e por isto, instituições de ensino

 

2. Flexibilização das estruturas e dos procedimentos acadêmicos

Da mesma forma como as atividades acadêmicas continuam em geral definidas pela grade horária, a estrutura da universidade, sua infra -estrutura e seus procedimentos, continuam condicionadas por outro tipo de grade: os cursos e seus currículos, as disciplinas, seus   conteúdos e seus métodos pedagógicos trazidos e coincidentes com os de outros níveis de ensino, prevalecendo sempre como sendo o objetivo ,a preparação para o mercado de trabalho.

No entanto a exigência de nível superior hoje, não se restringe ao mercado de trabalho , como foi visto anteriormente .A exigência de nível superior é extremamente abrangente e mutável  em consequência das mudanças trazidas pelos avanços da ciência e  da tecnologia. Toda a sociedade, toda a vida em sociedade sofreu e continuará sofrendo a mesma transformação, que ocorre no mercado de trabalho.

É impróprio, portando, que a universidade se estruture, funcione e forme pessoas condicionadas a currículos, disciplinas, conteúdos fechados, definitivos para todos e para toda vida.

É preciso fazer a consciência, que a universidade é (ou, por pressuposto, deveria ser) um patrimônio de conhecimento. Permito-me citar, por ser a universidade a que estou especialmente ligado, a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). A UNISUL possui mais de mil disciplinas, mais de 50% delas virtualizadas, isto é, acessíveis através dos meios eletrônicos. Hoje seus cursos e disciplinas já se agrupam com certa flexibilidade em 4 áreas, a que chama de UNAS, Unidades de Articulação Acadêmica. É alguma coisa, mas é muito pouco. Vejo essa iniciativa apenas como um começo de construção da NOVA UNIVERSIDADE.

A pergunta é: porque enquadrar esse patrimônio de conhecimento dentro de cursos, currículos, conteúdos, diplomas de exercício profissional, se o mundo precisa de conhecimento, se os que se formam na universidade deveriam ter muito mais do que uma formação para o mercado de trabalho?

Não poderíamos imaginar esse patrimônio como uma fonte aberta, onde quem o procurasse pudesse navegar, ou voar em seu espaço, ampliando seu conhecimento, sua formação como pessoa ou mesmo como profissional, ao invés de se enquadrar nas quatro paredes e nas dez, ou 20 disciplinas de cada currículo?

Porque não podem seus alunos, seus ex-alunos, ou as pessoas em qualquer tempo através da vida, ou em qualquer parte do mundo à medida que se virtualizarem essas disciplinas, se matricularem na universidade, para ter acesso a seu patrimônio de conhecimento?

É função da Universidade que queiram ingressar na NOVA UNIVERSIDADE, criar os meios e as formas de como viabilizar essa  oportunidade de dimensão verdadeiramente civilizatória

Disso tudo, que desejo dizer, é que a função da universidade deve ir muito além da formação profissional ou do preparo de mão de obra para o mercado, área de competência do Estado, ou do MEC e, portanto, a ser seguida dentro de seus limites. Mas quero dizer que a Universidade, A NOVA UNIVERSIDADE, se justifica, e dá sentido a seu patrimônio de conhecimento, que ela é, numa dimensão muito maior do que a de ser oficina de formação de mão de obra, prática que a desvia de seu conceito essencial, de centro de produção, guarda e difusão do conhecimento, ou da ciência e tecnologia.

 

 3. Sistema Permanente do Conhecimento ou a Educação Permanente.

Da mesma forma como, num sentido horizontal, a NOVA  UNIVERSUDADE deve abrir e flexibilizar seu patrimônio de conhecimento, da mesma forma esse patrimônio deve ser expandido para acompanhar a evolução permanente do conhecimento, ou da ciência e da tecnologia ,e viabilizar , dessa forma, o acesso permanente da sociedade, de seus ex-alunos, que poderão deixar de ser ex para ser alunos permanentes, fidelizados à sua universidade, mas também viabilizar  o acesso permanente da sociedade, que também deve atualizar-se permanentemente  nessa evolução, não  atualizar-se só na área profissional, mas  em todos as dimensões da vida.

No entanto, se percebemos que essa é uma oportunidade e, digo mais, um direito da sociedade, não há como não indagar, quem lhe há de oferecer condições de ter acesso a ele, se a universidade não o fizer?

Creio, que oferecer oportunidade à sociedade, ou ao mundo, o acesso permanente ao conhecimento, e não apenas educação permanente, ou educação à distância (EAD) como são as iniciativas de muitas universidades deve passar a ser uma função essencial, inerente à universidade, que queira estar presente nesse processo de transformação do mundo ou seja, de construir A NOVA UNIVERSIDADE

Penso que o conceito de Educação Permanente, hoje, até em coerência com o que foi dito das estruturas acadêmicas, deve ser substituído por um Sistema de Acesso Permanente ao Conhecimento aberto aos que se matricularem sim, mas, de alguma forma, acessível a toda sociedade.

Nesse sentido, a Universidade poderia funcionar como funcionam os provedores do conhecimento, com a garantia de que nesse Sistema da universidade o conhecimento oferecido é um conhecimento científico, certificado pela própria universidade.

Devo dizer que essa responsabilidade de oferecer o conhecimento fora das quatro paredes da sala de aula, há de se transformar em uma nova exigência de qualidade ou de excelência da universidade, maior e mais eficaz que todas as avaliações tradicionais e seus resultados.

Como se trata de difusão do conhecimento e não simplesmente de oferta de cursos regulamentados, abre-se também um novo espaço, alguns prefeririam dizer um novo mercado, que regulamentado pela própria universidade, dentro dos limites de sua autonomia, terá também significativo impacto positivo em seus orçamentos.

Nesse esquema a Educação Permanente, poderia oferece as modalidades de acesso, através de cursos regulamentados, que levassem à obtenção de diplomas, mas poderia oferecer cursos dos mais diversificados, de acordo com as demandas, ou as necessidades da sociedade, ou poderia simplesmente oferecer acessos regulamentados, ou simplesmente livres, estabelecendo as respectivas condições de uso, inclusive financeiras.

Termino enfim, afirmando que é urgente a ocupação desse espaço, o espaço do conhecimento, antes que o Estado se arrogue ao direito de ocupa-lo, impondo sua ideologia, ou simplesmente usando de seu poder para ocupar esse espaço que tem a ver com os espaços da sociedade, da preservação da liberdade, ou da construção da nova civilização.

 

 4. A virtualização da Universidade.

Dito isto, não quero me estender na análise desse instrumento, muito específico, da utilização dos meios virtuais. Quero apenas alertar que dificilmente a universidade ingressará no rumo de transformar-se na NOVA UNIVERSIDADE, se não adotar a virtualização como instrumento essencial de estar presente nesse mundo em transformação, mesmo porque esse mundo cada dia mais funciona e cada dia mais irá funcionar de forma virtualizada.

Para os meios onde prevaleça o saudosismo dos sistemas existentes, quero dizer que a universidade virtualizada não vai substituir a universidade presencial, mas apenas transformá-la, elevá-la a um outro patamar, em sintonia com os avanços da Ciência e da Tecnologia. Essa nova universidade será, em sua presencialidade, não apenas o centro de administrar todo sistema, mas de gerir o conhecimento e a inovação, fortalecida em suas funções pela integração das redes, decorrentes, da própria virtualização.

Aos saudosistas da universidade presencial quero dizer que a universidade virtualizada, ou a nova universidade, de forma alguma substituirá, ou dispensará sua dimensão presencial. Seguramente, além da função essencial de gerenciar todo o sistema, ela continuará ministrando cursos, distribuindo diplomas e respondendo a toda sorte de demandas da sociedade. Nas suas novas funções ela, acima de tudo, será a plataforma virtual, onde o conhecimento e a inovação terão origem e guarda, elevada, portanto, a um novo patamar, em sintonia com o MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

Por todas essas razões, permito-me a segurança de afirmar, considerando ainda tudo o que foi analisado e proposto, que há de ser este um caminho possível, seguro e urgente, para construção da NOVA UNIVERSIDADE.

 

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